Eutopia. Revista de Desarrollo Económico Territorial N.° 19, junio 2021, pp. 119-135

ISSN 13905708/e-ISSN 26028239

DOI: 10.17141/eutopia.19.2021.4897

 

Permanência da juventude no meio rural: para além da sucessão geracional tradicional

Permanence of youth in rural environment: beyond traditional generational succession

Permanencia de la juventud en el entorno rural: más allá de la sucesión generacional tradicional

 

 

 

 

Mariele Boscardin.  Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). marieleboscardin@hotmail.com https://orcid.org/0000-0002-3308-4189

 

Rosani Marisa Spanevello. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). rspanevello@yahoo.com.br https://orcid.org/0000-0002-4278-6895

 

Adriano Lago. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). adrianolago@yahoo.com.br https://orcid.org/0000-0002-0499-102X

 

Luana Cristina Duarte. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). luanacrisduarte@hotmail.com https://orcid.org/0000-0001-5180-1471 

 

Sandro Da Luz. Moreira Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). sandromoreira_rs@hotmail.com https://orcid.org/0000-0003-0743-1340 

 

Recibido: 02/04/2021 - Aceptado: 28/05/2021

Publicado: 30/06/2021

 

Cómo citar este artículo: Boscardin, Mariele, Rosani Marisa Spanevello, Adriano Lago, Luana Cristina Duarte y Sandro Da Luz Moreira. 2021. “Permanência da juventude no meio rural: para além da sucessão geracional tradicional”. Eutopía. Revista de Desarrollo Territorial 19. DOI 10.17141/eutopia.19.2021.4897

 

 

Resumo:A permanência dos jovens no meio rural tem se apresentado de forma distinta ao modelo tradicional de sucessão geracional. Este artigo tem o objetivo de avaliar as formas de permanência dos jovens no meio rural hoje, com destaque para as diferenças quanto ao processo de sucessão geracional tradicional. Foram analisadas 53 entrevistas em distintos municípios da região noroeste do Rio Grande do Sul: Cruz Alta, Crissiumal, São Martinho, Sede Nova, Coronel Bicaco, Redentora e Campo Novo. A análise dos resultados apontou para quatro formas distintas de permanência: 1) Residência em conjunto (mesma casa) na propriedade paterna com atividades agrícolas e não agrícolas; 2) Residência separada (mas nas mesmas propriedades dos pais) com atividades agrícolas nas propriedades paternas; 3) Residência no meio urbano, com atividades agrícolas nas propriedades dos pais e 4) Residência na propriedade, junto com os pais e com atividades urbanas. Estas quatro formas de permanência encontradas nos resultados sugerem que a sucessão geracional tradicional tem dado espaço para outros arranjos com derivações que incluem residir no rural ou no urbano, ter atividades relacionadas à agricultura e pecuária ou mesclar com atividades não agrícolas, ter autonomia no negócio familiar e na renda.

 

Palavras chaves: atividades agrícolas; atividades não agrícolas; continuidade; jovens rurais; reprodução social.

 

Abstract:A permanence of young people in the rural areas has been presented in a different way from the traditional model of generational succession. This article aims to assess the ways in which young people remain in rural areas today, with emphasis on the differences regarding the traditional generational succession process. 53 interviews were analyzed in different municipalities in the northwest region of Rio Grande do Sul: Cruz Alta, Crissiumal, São Martinho, Sede Nova, Coronel Bicaco, Redentora e Campo Novo. The analysis of the results pointed to four different forms of permanence: 1) Residence together (same house) on the paternal property with agricultural and non-agricultural activities; 2) Separate residence (but on the same property as the parents) with agricultural activities on the paternal properties; 3) Residence in the urban environment, with agricultural activities on the parents' properties and 4) Residence on the property, together with the parents and with urban activities. These four forms of permanence found in the results suggest that the traditional generational succession has given way to other arrangements with ramifications that include residing in rural or urban areas, having activities related to agriculture and livestock or mixing with non-agricultural activities, having autonomy in the family business and income.

 

Keywords: agricultural activities; non-agricultural activities; continuity; rural youth; social reproduction.

 

 

Resumen: La permanencia de los jóvenes en el medio rural se ha presentado de manera diferente al modelo tradicional de sucesión generacional. Este artículo tiene como objetivo evaluar las formas en que los jóvenes permanecen en el medio rural en la actualidad, con énfasis en las diferencias respecto al proceso tradicional de sucesión generacional. Se analizaron 53 entrevistas en diferentes municipios de la región noroeste de Rio Grande do Sul: Cruz Alta, Crissiumal, São Martinho, Sede Nova, Coronel Bicaco, Redentora e Campo Novo. El análisis de los resultados señaló cuatro formas distintas de permanencia: 1) residencia conjunta (misma casa) en la propiedad paterna con actividades agrícolas y no agrícolas; 2) residencia separada (pero en la misma propiedad que los padres) con actividades agrícolas en las propiedades paternas; 3) residencia en el entorno urbano, con actividades agrícolas en las propiedades de los padres y 4) residencia en la propiedad, junto con los padres y con actividades urbanas. Estas cuatro formas de permanencia encontradas en los resultados sugieren que la sucesión generacional tradicional ha dado lugar a otros arreglos con derivaciones que incluyen residir en áreas rurales o urbanas, tener actividades relacionadas con la agricultura y ganadería o mezclarse con actividades no agrícolas, tener autonomía en la empresa familiar y los ingresos.

 

Palabras clave: actividades agrícolas; actividades no agrícolas; continuidad; juventud rural; producción social.

 

 

Notas introdutórias sobre a permanência dos jovens frente ao rural

 

O rural brasileiro tem sofrido diversas alterações sociais e econômicas nas últimas décadas, como resultado das transformações demográficas, tecnológicas e produtivas. Trabalhos pioneiros como o projeto Rurbano (com início em 1997) vêm mostrando a população rural brasileira está cada vez mais vinculada a atividades não agrícolas. Kageyama (2008, 2000) mostra que, a partir de 1990, o rural passou a não ser mais definido como o lugar do atraso e do espaço exclusivo da produção agrícola, mas também um espaço multissetorial, sendo a agricultura uma das atividades, agregando também a presença das atividades não agrícolas.[i] Conforme é o processo de urbanização da cultura das regiões rurais, que por extensão vai se tornando “rurbano” (Graziano da Silva 1999).

Para Scaramuzzi, Belleti e Biagioni (2020), estas mudanças recentes do rural implicam em analisar o seu desenvolvimento a partir de três dimensões: 1) aprofundamento (maior valor agregado, o qual pode ser gerado por meio de mecanismos como produção de qualidade diferenciada, processamentos nas propriedades rurais e circuitos curtos); 2) alargamento (inclusão de novas atividades vinculadas à agricultura, tais como produção de energia e prestação de serviços); 3) recondicionamento (rearticulação nas relações das empresas com o seu contexto e outros atores do espaço rural local, permitindo novas formas de criação de valor, como por exemplo, rotas do vinho, diversificação e o desenvolvimento do agroturismo).

De acordo com os dados do Censo Agropecuário (IBGE 2017), de modo geral, estas transformações apontam para um rural com um perfil de produtores majoritariamente familiares (mais de 70% dos produtores rurais brasileiros são familiares) e do sexo masculino, produzindo sob 25% de área agrícola do país, com mão de obra da família para realização do trabalho (embora nesta última década tenha perdido um contingente de 2,2 milhões de trabalhadores), com distintos graus de tecnificação e acesso aos benefícios, em especial de políticas públicas de custeio e investimento. Trata-se de um perfil de agricultores mais envelhecidos em razão do êxodo juvenil. Outra questão relativa ao campo produtivo e de geração de renda é o exercício das atividades não agrícolas presentes nesta agricultura familiar, a qual inclui a prestação de serviços e a transformação de matéria prima.

Conforme assegura Wanderley (2000), a revalorização dos espaços rurais tem enfatizado o rural como modo de vida[ii] e produtor de alimentos, com destaque para os agricultores familiares. Ademais, também se tem discutido a questão da produção sustentável (Slätmo et al. 2017), mercado de terras (Borras e Franco 2012), as mudanças climáticas (Chechi e Grisa 2020) e a reprodução social das propriedades rurais (Moreira et al. 2020) como temas relevantes no espaço rural na atualidade.

No referente ao campo sociodemográfico, em especial, a reprodução social das propriedades rurais, as transformações no novo rural tem apontado para um cenário que os clássicos estudos de Abramovay et al. (1998) e Silvestro et al. (2001), realizados no Brasil há quase duas décadas, já traziam: as dificuldades dos jovens, filhos de agricultores, em permanecer nas propriedades e no rural. Segundo estes trabalhos, a falta de sucessão nas propriedades rurais se deve em razão da desistência dos filhos da ocupação paterna, rompendo com a lógica que todo filho de agricultor seria agricultor ou disposto a ser o sucessor geracional. Entende-se por modelo sucessório tradicional quando o sucessor recebe a propriedade paterna, ou pelo menos parte desta, como herança, reside na propriedade paterna desenvolvendo as atividades produtivas e assume a responsabilidade de amparar os pais na velhice, promovendo assim a renovação das propriedades rurais entre as gerações (Boscardin e Conterato 2017).

A partir destes estudos clássicos, outros trabalhos avançaram no sentido de apontar os fatores motivacionais da continuidade ou saída dos jovens das propriedades e do rural e concluíram que essa permanência e até mesmo a sucessão geracional são dependentes de diversos fatores. O trabalho de Moreira et al. (2020) aponta que a sucessão geracional perde o caráter de acontecimento natural como era nas gerações passadas quando os filhos permaneciam na propriedade por obrigação moral, pelo amor a terra e para manter a coletividade da família e a reprodução do patrimônio ao longo das gerações. Hoje, os pais demonstram que é preciso motivar a sucessão entre os filhos (Moreira et al. 2020, Moraes et al. 2017). Os estudos de Spanevello (2008), Matte e Machado (2016), Foguesatto, et al. (2020) e Bertolozzi-Caredioa et al. (2020) mostram que os fatores principais capazes de motivar os jovens a ficarem na propriedade paterna, estabelecendo o processo de sucessão geracional ou mesmo permanecendo no campo, realizando atividades não agrícolas são: ter renda própria, autonomia na gestão dos processos produtivos, realizar um trabalho menos penoso que o agrícola, que sofre com as instabilidades climáticas e requer trabalho no final de semana. Além de outros fatores, como condição produtiva e tecnológica da propriedade, acesso ao lazer e a comunicação no meio rural, crédito para instalação do jovem como agricultor, entre outros (Cavicchioli et al. 2018; Wheeler et al. 2012; Mishra e El- Osta 2008; Aldanondo Ochoa et al. 2007).

Outros trabalhos foram além, buscando explicar os efeitos sobre a sucessão geracional das propriedades no encaminhamento do patrimônio e herança (Boscardin e Conterato 2017; Sottomayor et al. 2011): a velhice no meio rural (Lobley et al. 2010), a masculinização no campo (Grubbström et al. 2014; Mann 2007), a dinâmica do mercado de terras (Glauben et al. 2009), entre outros. Na perspectiva de Caredio et al. (2020), a sucessão carrega três variáveis junto dela: potencialidade, vontade e eficácia. A potencialidade está atrelada aos filhos serem reconhecidos pela família como possíveis sucessores, a vontade representa a perspectiva do filho em continuar trabalhando na propriedade e a eficácia é fazer o processo de sucessão na propriedade.

Considerando especificamente a questão juvenil e a sua reprodução social dentro do contexto do novo rural, Butler (2020), em estudo realizado na Austrália, evidencia novas relações de trabalho entre os jovens rurais e desejos de mobilidade. Para a autora, as comunidades rurais estão passando por transformações socioculturais significativas, onde as relações de trabalho são reestruturadas. A autora comenta ainda que, os jovens estão na vanguarda dessas mudanças, construindo caminhos e relacionamentos para si e suas famílias (Butler 2020).

Neste sentido, é possível verificar entre os jovens o maior acesso ao estudo, seja em cursos técnicos ou superiores, acesso aos bens de consumo e comunicação (em especial internet) semelhante à população urbana e novas oportunidades de renda através do empreendedorismo. Outro aspecto marcante é o comportamento populacional com destaque para as mudanças na família rural, tendendo a reduzir o número de filhos. No contexto geral, outras mudanças são particularmente marcantes e afetam a transição demográfica da juventude rural, conforme argumenta Neves e Schneider (2015). Entre elas, pode-se apontar: a) migração juvenil, em especial a juvenil feminina fortemente associada à impossibilidade de viver da atividade agropecuária; b) o crescente envelhecimento populacional rural considerado um problema social devido à migração juvenil, relacionado à falta de perspectivas de sucessão geracional nas propriedades rurais (Maia 2014).

Por outro lado, pode-se afirmar que estas mudanças sociais, produtivas e tecnológicas, não servem apenas para levar os jovens, futuros agricultores, para o meio urbano. De acordo com o trabalho de Signor (2019), entre jovens estudantes de Cursos Superiores ligados ao Agronegócio, há uma tendência do retorno às propriedades e ao rural para empreender novos negócios (entre os quais são citadas as atividades não agrícolas) ou melhorar aqueles já existentes nas propriedades através do controle de custos, estudos de mercado, agregação ambiental, apelo cultural e de origem, entre outros. Nestes casos, o local de moradia e trabalho são as propriedades rurais e o rural.

Estas possibilidades atuais demandadas pelos jovens, filhos de agricultores, sinalizam para o que Milone e Ventura (2019) denominam de “nova geração de agricultores” em estudo realizado na Itália. Trata-se de jovens atraídos pelo setor agrícola, tendo em suas concepções a ideia de que este setor oferece a oportunidade de se tornar empreendedor. Suas ideias não vão ao encontro dos modelos convencionais de praticar a agricultura. São jovens que estão conseguindo administrar propriedades rurais, geralmente muito pequenas. O sucesso se dá pela criatividade, inovação e capacidade de resposta às novas demandas e expectativas da sociedade (Milone e Ventura 2019).

Garnevska et al. (2020), ao estudar propriedades hortícolas na região da Bulgária, avaliaram cinco opções estratégicas para os agricultores que queriam continuar com seus negócios de horticultura, sendo eles: 1) fazer o que você faz atualmente, porém melhor; 2) desenvolvimento de novos produtos hortícolas; 3) desenvolvimento de novos mercados; 4) desenvolvimento de novas atividades agrícolas; e 5) desenvolvimento de novas atividades não agrícolas. No estudo, os autores constataram que a estratégia 1 foi considerada viável pela maioria (mais de 75%) dos produtores, independentemente do tamanho de suas propriedades. Os entrevistados pretendiam manter seus produtos e mercados existentes, mas produzir com melhor qualidade ou aumentar a área de suas safras lucrativas atuais (Garnevska et al. 2020).

A estratégia “desenvolver novos produtos hortícolas” foi destacada por quase metade dos entrevistados (49%), os quais perceberam a opção como viável. Já a estratégia 3, “desenvolver novos mercados”, foi vista como viável para 44% dos entrevistados. Durante a pesquisa, os autores constataram que os entrevistados não estavam muito familiarizados com as questões relacionadas à diversificação produtiva. Em relação à estratégia 4, “desenvolver novas atividades agrícolas”, cerca de um terço dos entrevistados, independentemente do tamanho da propriedade, considerou a opção, viável para seus negócios a médio prazo. A estratégia 5, “desenvolver novas atividades não agrícolas”, não era uma direção estratégica popular para os agricultores entrevistados, visto que somente cerca de 29% deles eram mais inovadores e apoiavam a realização destas atividades como a instalação de uma pequena vinícola ou unidade de processamento agroalimentar (Garnevska et al. 2020).

No tocante aos filhos, ficar e suceder podem ser compreendidos de distintas formas. Conforme o trabalho de Duarte et al. (2021), a permanência dos jovens reflete diferentes configurações. Há casos em que os jovens ficam no rural (mas não na propriedade) desenvolvendo negócios agrícolas e não agrícolas, os jovens que residem no meio urbano e mantém a propriedade (e a terra) como um bem econômico e os jovens que assumem os negócios dos pais nas propriedades fazendo mudanças, tais como, acréscimo de novas atividades e de infraestrutura. Nestes casos, como mostra Moreira e Spanevello (2019), hoje, essa permanência implica em uma série de arranjos. Segundo o estudo dos autores, arranjos distintos foram encontrados a partir da variação do local de moradia do sucessor, administração do negócio e gerenciamento da renda. No trabalho de Moreira (2018), embora a grande maioria dos sucessores desenvolva apenas trabalhos agrícolas e de pecuária, registra-se um percentual que trabalha na propriedade do pai e presta serviços em outras propriedades ou tem outro trabalho ou profissão, com destaque para assistência agronômica, professor, caminhoneiro e estudantes. Em suma, os resultados destes trabalhos revelam que os encaminhamentos ou arranjos sucessórios relatados pelos entrevistados apresentam distintas características, não tendo na sucessão geracional tradicional o único modelo.

Conforme Spanevello (2008), a sucessão é um processo que combina vários elementos, os quais vão desde as particularidades individuais das famílias e dos filhos associada às condições geográficas e temporais, bem como as condições produtivas das propriedades.  Por isso, para Moreira (2018, 142), “a sucessão hoje não é mais ‘acontecimento natural’ como era nas gerações passadas, quando os filhos ficavam por obrigação moral, pelo amor a terra e para manter a coletividade da família e a reprodução do patrimônio ao longo das gerações”. Brandth e Overrein (2012) também confirmam que as crianças nascidas no meio rural, nas gerações passadas, não consideravam outra opção além de trabalharem como agricultores. A sucessão geracional das propriedades era dada como certa.

A partir das abordagens sobre presença das atividades não agrícolas e da revalorização dos espaços rurais, a questão sobre a permanência dos jovens ali atinge outros significados. Estes novos significados passam por compreender que um contingente populacional juvenil almeja permanecer no rural ainda que não necessariamente como agricultores ou sucessores dos seus pais no mesmo ramo de negócios. Neste cenário de novos negócios, as formas de gerar renda e viver no rural também tendem a ser novas. Considerando esse foco de análise, este artigo tem como objetivo analisar, dentro de um cenário de distintos municípios do Rio Grande do Sul, as formas de permanência (suas características e nuances) dos jovens no meio rural da atualidade.

 

 

Metodologia

 

Este artigo é classificado como um estudo de caso com dados coletados no estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Os dados aqui apresentados abrangem um total de 86 propriedades rurais, localizadas em distintos municípios do estado do Rio Grande do Sul, sendo eles: Cruz Alta, Crissiumal, São Martinho, Sede Nova, Coronel Bicaco, Redentora e Campo Novo, os quais estão inseridos geograficamente na Mesorregião Noroeste Rio Grandense, conforme figura 1:

 

 

Figura 1. Localização geográfica da Mesorregião Noroeste Rio Grandense

Fonte: Suporte Geográfico (s/d).

 

Os dados foram coletados entre 2018 e 2019 em momentos distintos, tendo em vista que aqueles utilizados neste artigo fazem parte de três pesquisas de campo com o objetivo discutir a  sucessão geracional dos jovens no meio rural. Foram entrevistados jovens, filhos de agricultores, de faixas etárias entre 17 e 30 anos, já definidos como sucessores (condição em que os pais já cederam espaço para que os filhos conduzam as atividades e a gestão dos negócios) das propriedades paternas ou encaminhados para tal função (situação em que as propriedades já escolheram o filho que vai assumir os negócios e o patrimônio, sem ainda o mesmo estar executando tal função de forma individual, mas em conjunto com os pais).

A primeira pesquisa foi realizada no município de Cruz Alta em 2018. A maioria dos sucessores do Município de Cruz Alta é do sexo masculino, ou seja, apenas um dos filhos como sucessor, em grande parte o primogênito. Os sucessores estão na faixa etária dos 25 anos ou mais e a grande maioria é casada. Quanto ao grau de escolaridade, metade tem nível médio e a outra tem nível superior (Agronomia, Veterinária e Administração).

A segunda pesquisa ocorreu no município de Crissiumal, também em 2018, no qual foram entrevistados 26 jovens que desenvolvem atividades não agrícolas, podendo estar associadas a atividades agrícolas, com idades entre 17 e 30 anos. Destes 26 entrevistados, nove são do sexo feminino (34,62%) e 17 do sexo masculino (65,38%), sendo a grande maioria solteiro, (69,2%). Em relação à escolaridade, 80,71% dos jovens variam entre ensino médio, técnico e superior, ensino médio incompleto ao superior completo.

A terceira pesquisa foi realizada nos municípios de São Martinho, Sede Nova, Coronel Bicaco, Redentora e Campo Novo em 2019. Foram realizadas 29 entrevistas. A maioria era do sexo masculino, casado, com escolaridade variada, predominando o ensino médio completo.

As três pesquisas utilizaram roteiro de entrevistas semiestruturadas, uma vez que esse instrumento permite obter informações qualitativas em profundidade, abarcando distintas propriedades em termos de tamanho, sistemas produtivos e locais de residência dos gestores. Ademais, o número de entrevistados em cada pesquisa e em cada município, deve-se ao fato da amostra ser por conveniência. O procedimento utilizado para o estudo dos dados foi a análise de conteúdo, uma vez que dispomos de narrações dos participantes. Acredita-se ser o procedimento mais adequado para responder o objetivo proposto neste artigo. No conjunto, das 86 entrevistas realizadas, foram selecionadas apenas as que apresentam novas formas de permanecer no meio rural para além das características da sucessão geracional tradicional. Para este artigo foram 53 entrevistas incluídas na análise.

 

 

Formas de permanência no meio rural

 

Os resultados apontam as diferentes formas de permanência no rural e nas propriedades, segundo os entrevistados. Conforme o quadro 1, são quatro formas elencadas que variam entre ficar na propriedade, residir no rural ou no urbano, ter atividades relacionadas à agricultura e pecuária ou mesclar com atividades não agrícolas, ter autonomia no negócio familiar e na renda.

 

Quadro 1. Formas de permanência dos jovens na propriedade e no rural

Fonte: Os autores (2021).

 

Estas formas de permanência são os resultados das distintas características dos entrevistados, das estruturas familiares, das propriedades e das oportunidades que cada uma pode oferecer aos jovens em termos de trabalho e geração de renda, bem como o rural. A seguir, estão detalhadas cada uma das quatro formas encontradas:

 

1)        Residência em conjunto (mesma casa) na propriedade paterna com atividades agrícolas e não agrícolas

 

Este grupo é composto por 5,7% entrevistados apenas, onde as maiores diferenças em relação aos demais grupos é justamente a inclusão de outra atividade como geradora de renda na propriedade de cunho não agrícola. Conforme Duarte et al. (2021), embora este cenário possa se assemelhar ao modelo tradicional de sucessão geracional, é pertinente analisar que as diferenças que os sucessores estão propondo gera o que a autora considera como ramificações da sucessão geracional tradicional, ou seja, os jovens permanecem como sucessores dos pais, mas modificam alguma característica produtiva.

Nestes casos analisados, os jovens pretendem reduzir ou aumentar as atividades agrícolas realizadas atualmente na propriedade, ampliar a área comprando mais terra ou implementando somente atividades não agrícolas como é o caso de agroindústrias ou mesclando atividades agrícolas com a pluriatividade. É importante salientar que a preferência pelas atividades não agrícolas está centrada nas propriedades em que as filhas permanecem. É o caso, por exemplo, de duas propriedades onde as filhas, as quais possuem curso superior em Administração e Enologia, usam os conhecimentos destas áreas de formação para gerir novos negócios nas propriedades.

Cabe salientar que estas “novas” atividades (agroindústrias, turismo rural, produção de alimentos orgânicos e agroecológicos) cativam os jovens a ficar no meio rural, visto que a agricultura “tradicional” nos moldes das antigas gerações tem sido um dos fatores de desistência dos jovens em relação à permanência no rural. As atividades não agrícolas e, em destaque, a pluriatividade, têm se mostrado uma excelente opção para incentivar a população jovem a ficar no meio rural e ali se estabelecer, pois elas permitem independência, garantia financeira e proximidade com a cidade (Panno e Machado 2014).  

Duarte (2019) constata que as atividades não agrícolas são vistas como positivas para a permanência dos jovens em razão de manter proximidade com a propriedade, diversificação da renda, podem fazer o que gosta e ainda ter uma renda só sua. As atividades não agrícolas geram renda maior do que as atividades essencialmente agrícolas e são determinantes para o desenvolvimento do meio rural (Silvestro et al. 2001).

Signor (2019) defende que as atividades não agrícolas podem ser compreendidas sob o olhar do empreendedorismo. Para o autor, tornar a juventude rural empreendedora pode favorecer a permanência dos jovens no campo e assegurar a manutenção do desenvolvimento rural. Segundo Signor (2019), 57% dos jovens pesquisados no seu trabalho apresentam potencial agroempreendedor, gostam do modo de vida rural, constantemente buscam conhecimentos sobre o agronegócio e a área que estão cursando, tem boas e inovadoras ideias de negócios. Este perfil agroempreendedor passa pelo exercício das atividades não agrícolas, pela pluriatividade e pela transformação de produtos, agregando valor econômico e social ao rural e ao espaço de origem dos jovens.

 

 

2)              Residência separada (mas nas propriedades dos pais) ou em propriedades próximas geograficamente, com atividades agrícolas nas propriedades paternas

 

Este grupo representa um conjunto grande de entrevistados (37,7%) com o diferencial atrelado à moradia separada, ou seja, esta forma de permanência dos jovens consiste na sucessão das propriedades dos pais, porém morando separadamente. Dentre os casos analisados, constataram-se jovens que residem na mesma propriedade dos pais ou jovens que residem em propriedades próximas geograficamente. Estas novas configurações, sugerem mudanças no modelo sucessório tradicional em que o local de trabalho também era o espaço da moradia, portanto, viver na mesma moradia significa estar no mesmo âmbito doméstico, na mesma propriedade e nela trabalhar.

Estas alterações podem ser visualizadas comparando o modo de vida das gerações passadas, tais como a formação de união estável (em substituição aos casamentos), os casamentos mais tardios (com jovens em idade mais avançada), o menor número de filhos (como resultado da redução das taxas de fecundidade das mulheres rurais), as estruturas familiares mais reduzidas (apenas uma geração sob o mesmo teto) como forma de garantir a individualização dos casais mais jovens e os conflitos entre as gerações, entre outros (Maia e Buainain 2015).

Outra característica importante destes entrevistados é a participação dos jovens nos negócios e na renda. Esta configuração difere da sucessão geracional do passado, tendo em vista que os pais exerciam o que Silvestro et al. (2001) denomina de poder paterno, exercendo o comando sobre o trabalho e a gestão da produção agropecuária e o controle sobre a renda gerada, sem remuneração, aos demais membros da família, em especial às mulheres e aos filhos. Para Moreira et al. (2020), garantir a independência da gestão dos negócios para os filhos, seja de forma parcial ou total, é um pressuposto bem aceito pelos filhos, pois os pais expressam confiança no trabalho dos mesmos. Ainda, segundo o autor (2020), quando os pais atribuem uma atividade independente dentro da propriedade para ser gerida pelos filhos ou asseguram a divisão das responsabilidades sobre a totalidade dos negócios com seus descendentes dentro da propriedade, os pais estão, sobretudo, “cativando” o filho para o posto de sucessão. Moreira (2018) cita, por exemplo, os casos em que os pais investem em uma nova atividade como, por exemplo, a produção leiteira e atribuem aos jovens a responsabilidade sobre a mesma. Esta decisão impacta nos filhos como uma relação de confiança e crédito à capacidade gerencial dos sucessores. Por consequência, na decisão de ficar e seguir na sucessão dos negócios e do patrimônio ou não.

No tocante à renda, a remuneração ou a renda individual é vista como fundamental para a permanência dos jovens. Quanto à participação no gerenciamento da renda, observa-se que os pais dividem os lucros com os jovens ou até mesmo pagam salário. Nestes casos, os filhos recebem pelo trabalho executado, apresentando autonomia no uso e destino da renda gerada na propriedade, podendo destinar até mesmo para bens de consumo próprio.

 

 

3)              Residência no meio urbano, com atividades agrícolas nas propriedades dos pais

 

Para os entrevistados deste grupo, metade deles (50,9%), esta nova relação dos jovens com o rural se constitui numa forma de suceder a propriedade, realizar as atividades agrícolas, porém tendo como local de residência o meio urbano. Outros entrevistados, além de residir na cidade, possuem atividades remuneradas no meio urbano, conciliando com as atividades agrícolas (tais como empresa de revenda de pneus, cargo de professor universitário e lojas de insumos agropecuários). Conforme Moreira et al. (2020), quando os gestores não residem nas propriedades e nem no rural, pode-se dizer que é cada vez mais evidente pensar que a sucessão geracional está atrelada, de forma conceitual, na sucessão do negócio e não do viver na propriedade e no rural.

Neste grupo, a responsabilidade sobre os negócios ou sobre o gerenciamento dos mesmos é dos jovens em duas situações: a) quando estão à frente de uma atividade específica da propriedade, ou seja, os jovens gerenciam atividades pontuais (como é o caso da atividade leiteira); b) Ou ainda, quando gerenciam todas as atividades, como é o caso de um dos entrevistados, o qual gerencia a produção de grãos de 100 hectares de uma área doada pelo pai, bem como a renda gerada.

O fato de os filhos residirem no meio urbano e desenvolverem atividades no meio rural foi considerado por Boscardin e Conterato (2017) como uma estratégia elaborada por agricultores diante dos filhos que não desejam o rural como local de residência. Nestas situações, “explorar” economicamente a propriedade dos pais, em sistemas produtivos, estes que não requerem cuidados mais intensos ou diários, não significa que os filhos desejam ficar no meio rural, ou seja, esta ação pode ser visualizada como um ingresso de renda a mais, tendo em vista que os mesmos já possuem rendas de atividades laborais desenvolvidas no meio urbano (Boscardin e Conterato 2017).

Nesta mesma perspectiva, Cassidy e Mcgrath (2014), em estudo realizado na Irlanda, constataram que, filhos de agricultores que não são ou dificilmente serão sucessores possuem um apego profundo à propriedade dos pais, implicando no desejo de manter a propriedade dentro da família e a continuidade entre as gerações. Manter a propriedade diz respeito a um senso de responsabilidade de manter a continuidade intergeracional de proteger o trabalho e o modo de vida dos pais. Esses vínculos minimizam a possibilidade dos não sucessores verem a propriedade como um ativo a ser potencialmente vendido (Cassidy e Mcgrath 2014).

Cabe ainda destacar que esta forma de relação com o “novo rural”, em que não há moradia, mas apenas o desenvolvimento de atividades agrícolas, emerge em determinadas atividades, por exemplo com grãos, pois não requer cuidados e rotina diária, como é o caso da atividade leiteira. Para as entidades ligadas ao rural, como cooperativas, sindicatos e associações de agricultores, esta relação continua sendo importante, pois há produção agrícola e formação de uma nova geração de agricultores. No entanto, as relações sociais nas comunidades rurais, igrejas, escolas, salão comunitários acabam sendo enfraquecidas como já apontava Silvestro et al. (2001).

 

 

4)              Residência na propriedade, junto com os pais e com atividades urbanas

 

Neste grupo, composto por 5,7% dos jovens, verifica-se que todos os entrevistados exercem pluriatividade, sendo o jovem o membro pluriativo ou que exerce atividades remuneradas no meio urbano. Em apenas um caso, toda a família trabalha fora da propriedade e do rural.

Uma característica do “novo rural” refere-se ao rural apenas como residência, tendo o meio urbano como local de realização de atividades remuneradas. Para Wanderley (2000), esse novo cenário do meio rural brasileiro possibilita reduzir o esvaziamento demográfico do rural, dado que o mesmo garantiu a permanência e manutenção de grande número de pessoas. Para a autora, anteriormente a este período, pessoas que deixavam as atividades agrícolas deixavam também o meio rural, recentemente boa parte da população continua residindo no meio rural apesar de não realizar atividades agrícolas (Wanderley 2000).

Neste sentido, pelas próprias características do rural, visto como um local mais tranquilo para se residir, o mesmo se tornou atrativo para um significativo número de pessoas, dentre eles, os jovens. Além disso, o “encurtamento” da distância entre rural e urbano, dado pelo acesso a estradas, internet, telefone, televisão por assinatura e transporte, possibilitou a emergência destas novas características.  Para Duarte et al. (2021), esta condição nos remete a compreender a permanência dos jovens não como um processo de sucessão geracional, mas como um processo de sucessão rural, no qual ocorre o deslocamento diário para trabalhar em empregos urbanos, reforçando a ideia do rural como moradia e não necessariamente como local de trabalho e renda.

 

 

Considerações finais

 

As mudanças em curso, que ressignificam o rural, geram uma série de impactos sobre essa população. No caso deste artigo, sugere-se que estas mudanças no rural possam redefinir novas formas de permanência com características distintas do modelo de sucessão geracional que por décadas permeou a reprodução social da população rural.

A predominante sucessão geracional (sucessão da ocupação, da gestão, da moradia e do patrimônio) abre espaço para outras formas de sucessão em que uma ou mais destas condições pode não estar presente. Estas outras formas mostram que as relações de moradia e/ou trabalho no rural e o apego à propriedade está garantindo a sucessão rural.

A partir das entrevistas realizadas, verificou-se quatro formas de permanência: 1) residência em conjunto (mesma casa) na propriedade paterna com atividades agrícolas e não agrícolas; 2) residência separada (mas na mesma propriedade dos pais) com atividades agrícolas na propriedade paterna; 3) residência no meio urbano, com atividades agrícolas na propriedade dos pais e 4) Residência na propriedade, junto com os pais e com atividades urbanas.

De modo geral, as quatro formas de permanência identificadas sugerem similaridade, pois todas têm em comum o rural como referência, seja como moradia e trabalho, somente trabalho ou moradia. Ou seja, de maneira mais ou menos intensa, o rural continua na vivência dos entrevistados. Outro aspecto que se visualiza é o modelo de sucessão geracional tradicional, o qual não está ultrapassado ou esquecido e que se faz presente, especialmente no caso em que jovens vão permanecer na propriedade (mesmo com residência separada) e com a participação nos negócios e na renda agrícola.

Outro grupo explicita preferência pelo rural como moradia e trabalho, mas esse último está atrelado ao exercício das atividades não agrícolas, configurando-se como alternativas de trabalho e renda frente à desistência das atividades agrícolas, ou seja, a renda provém de outras fontes. Ainda, é possível constatar entrevistados que residem no urbano, mas têm como geração de renda as atividades agrícolas. Ou seja, suceder os negócios paternos, sem residir na propriedade e no meio rural.

No entanto, é preciso argumentar que estas novas formas sucessórias carecem de um maior número de estudos, pois aqui apresentamos uma análise de um universo localizado no Rio Grande do Sul. De qualquer forma, estes meios de permanência diferenciados sugerem pensar a reprodução social do meio rural a partir das ações de desenvolvimento e políticas públicas que oportunizem estes distintos projetos pessoais e profissionais dos jovens quanto a ficar no rural e viver ou não a agricultura. Tendo em vista que o modelo “filho de agricultor” não será mais necessariamente filho sucessor de seus pais nos negócios e no patrimônio. Ademais, estudos voltados à diferenciação por sexo dos filhos também contribuem para entender melhor esta temática do êxodo rural feminino.

 

 

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Notas



[i] As atividades não agrícolas estão classificadas em atividades não agrícolas propriamente ditas, pluriatividade e atividades para-agrícolas. Resumidamente, as atividades não agrícolas são aquelas em que a pessoa possui uma atividade no meio rural que não é a atividade agrícola. Neste contexto, se destaca a prestação de serviço, em que muitas unidades produtivas contratam o serviço de máquinas para desempenhar alguma função de fora da unidade produtiva (Laurenti 2000). De forma geral, atividades não agrícolas são as que não se encaixam no significado de atividade agrícola ou para-agrícola (Schneider 2009). As famílias pluriativas, segundo Schneider (2009), são aquelas que desenvolvem vários tipos de atividades e cujos membros desenvolvem atividades dentro e fora da propriedade, combinando as agrícolas, as não agrícolas e as para-agrícolas. De acordo com Schneider (2009), as atividades para-agrícolas são aquelas que resultam na transformação, elaboração e processamento de matérias-primas agrícolas e seus derivados, as quais podem ser produzidas na propriedade da família ou serem obtidas de outras propriedades.

[ii] Conforme Wanderley (2000) é possível afirmar que o modo de vida no meio rural tende a modificar com o passar do tempo. “O camponês tradicional não tem propriamente uma profissão; é o seu modo de vida que articula as múltiplas dimensões de suas atividades. A modernização o transforma num agricultor, profissão, sem dúvida, multidimensional, mas que pode ser aprendida em escolas especializadas e com os especialistas dos serviços de assistência técnica” (Wanderley 2003, 45).