Eutopia. Revista de Desarrollo Económico Territorial N.° 19, junio 2021, pp. 11-31

ISSN 13905708/e-ISSN 26028239

DOI: 10.17141/eutopia.19.2021.4988

 

 

 

Terra e juventude na América Latina: entre lutas, violências e conflitos

Land and youth in Latin America: between struggles, violence, and conflicts

Tierra y juventudes en América Latina: entre luchas, violencias y conflictos

 

Os jovens aprendem a lutar e a defender-se

por que lhes foi negado um lugar no futuro,

onde tampouco seus pais se encaixam.

Subcomandante Marcos, 1994

 

 

 

Sérgio Sauer . Universidade de Brasília. sauer.sergio@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-2014-3215

 

Luis Felipe Perdigao de Castro . Universidade de Brasília, Uniceplac e Unidesc. lfperdigao@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-1156-7769

 

Ralph de Medeiros Albuquerque. Universidade Federal do Paraná. ralphalbuquerque@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-8773-4642

 

 

 

Recibido: 11/04/2021 - Aceptado: 19/05/2021

Publicado: 30/06/2021

 

 

Cómo citar este artículo: Sauer, Sérgio, Luis Felipe Perdigao de Castro y Ralph de Medeiros Albuquerque. 2021. “Terra e juventude na América Latina: entre lutas, violências e conflitos”. Eutopía. Revista de Desarrollo Económico Territorial 19. DOI 10.17141/eutopia.19.2021.4988

 

 

Resumo: A partir de cartas, declarações e denúncias de movimentos e organizações da juventude latino-americana, articulado com pesquisa bibliográfica, o presente texto analisa o panorama das lutas por terras na América Latina, debatendo fatores e dinâmicas, como as demandas por matérias primas, crises e agentes nas oportunidades de negócios. O objetivo é contextualizar as lutas e resistências latino-americanas, com destaque à juventude, em especial a colombiana, como caso paradigmático para compreensão das dinâmicas conflituais envolvendo a juventude rural. Processos de ampliação do modelo hegemônico, baseado na Revolução Verde, e de exclusão da juventude rural, são confrontados com reivindicações e compromissos, a exemplo daqueles emitidos pelos Acampamento Latino-Americano da Juventude (Palmeira das Missões/Brasil 2014), 5º Acampamento de Jovens de Conamuri (Caaguazú/Paraguai 2016) e Encontro Geral da Juventude Tupinambá (Olivença/Brasil 2016), evidenciando, além dos conflitos, as resistências levadas a cabo pela juventude rural latino-americana.

 

Palavras-chave: América Latina; Brasil e Colômbia; juventude rural; lutas por terra.

 

Abstract: Based on letters, declarations and denunciations of Latin American youth movements and organizations, combined with bibliographical research, this text analyzes the landscape of struggles for land in Latin America, debating factors and dynamics, such as demands for raw materials, crises and agents in business opportunities. The objective is to contextualize the Latin American struggles and resistances, highlighting youth, especially Colombian youth, as a paradigmatic case for understanding the conflict dynamics involving rural youth. Processes of expansion of the hegemonic model, based on the Green Revolution, and of exclusion of rural youth, are confronted with demands and commitments, such as those issued by the Latin American Youth Camp (Palmeira das Missões/Brasil 2014), 5th Camping Young People from Conamuri (Caaguazú/Paraguay 2016) and the General Meeting of Tupinambá Youth (Olivença/Brasil 2016), showing, in addition to conflicts, the resistance carried out by rural Latin American youth.

 

Key-words: Latin America; Brazil and Colombia; rural youth; land struggles.

 

 

Introdução

 

A questão agrária é uma noção marcada por um debate ou reflexão, tendo como ponto de partida a expansão do capitalismo industrial e suas consequências para o campo e a população camponesa ainda no Século XXI. Concebida como um paradigma essencial e necessariamente atual (Sauer 2013; Montenegro Gómez 2010), mobilizações sociais na América Latina, bem como abordagens teóricas mais recentes evidenciam um transbordamento da questão agrária frente aos conflitos gerados pela expansão do capital no campo em suas distintas formulações (Montenegro Gómez 2010). Analisar, portanto, conflitos que se expressam na questão agrária e conhecer os sujeitos envolvidos permitem dimensionar trajetórias de luta e de resistência, capazes de enfrentar a lógica destrutiva do capital.[i]

Para compreender as conflitualidades no campo não basta analisar as mutações produzidas, por exemplo, pelo agrohidronegócio, mas avançar na compreensão dos grupos sociais que resistem e os posicionamentos que defendem (Montenegro Gómez 2010). É necessário compreender articulações que as redes de luta promovem, como as filiações étnicas, de gênero e também geracionais, como outros elementos da “(ex)tensão da questão agrária” (Montenegro Gómez 2010, 28).

Esta (ex)tensão está presente na erupção de diversas bandeiras da juventude nos distintos movimentos agrários, muitos deles vinculados à Coordinadora Latinoamericana de Organizaciones del Campo (CLOC), vinculada à Via Campesina. A partir de um contexto mais amplo de lutas por terra, leituras de declarações ou cartas de diferentes encontros de movimentos sociais de jovens da América Latina nos últimos anos possibilitam entender reivindicações, denúncias e lutas da juventude na região.

O presente texto analisa o panorama das lutas por terras na América Latina, a partir de cartas, declarações e denúncias de movimentos e organizações da juventude latino-americana, articulado com pesquisa bibliográfica. Na primeira parte, são debatidos fatores e dinâmicas (como as demandas por matérias primas, crises e agentes nas oportunidades de negócios) que contextualizam os processos de ampliação do modelo hegemônico (baseado na Revolução Verde) e de exclusão da juventude rural. Na sequencia, essa realidade é confrontada com o papel crítico e transformador da juventude rural latino-americana, particularmente reivindicações e compromissos emitidos pelos Acampamento Latino-Americano da Juventude (Palmeira das Missões/Brasil 2014), 5º Acampamento de Jovens de Conamuri (Caaguazú/Paraguai 2016) e Encontro Geral da Juventude Tupinambá (Olivença/Brasil 2016). Em interface com as reivindicações apresentadas nessas cartas e declarações, o item 3 reflete sobre o extermínio da juventude e a negação de direitos sobre terras, territórios e cidadania na Colômbia. O objetivo é contextualizar as lutas e resistências em meio à conflitualidade, em especial a colombiana, como caso paradigmático[ii] para compreender parte importante da juventude rural na América Latina.

 

1. Fatores de pressão sobre a terra e recursos naturais na América Latina

 

Diversos fatores têm influenciado a pressão sobre a terra e os recursos naturais na América Latina, manifestando-se em forma de crises (de alimentos, ambiental, financeira e energética), que reforçam e ampliam as lutas na região. Além disso, fatores geopolíticos com a chamada “guinada ao sul”, representada especialmente pelos BRICS, influenciam as pressões por terras e outros recursos, acentuando disputas e conflitos no campo.

Em junho de 2016, a entidade não governamental Genetic Resources Action International, ou simplesmente Grain, divulgou relatório sobre o fenômeno land grabbing. Após oito anos do lançamento do primeiro relatório (publicado em outubro de 2008), retomou o que vem sendo traduzido para o português como “estrangeirização de terras” ou para o espanhol como acaparamiento de tierras, reafirmando que a tendência continua crescendo a nível global. No entanto, não é somente essa demanda mundial por terras que sustenta a tese de que a “questão agrária”, mais precisamente a terra, é a questão do século XXI.

A terra voltou ao centro da agenda devido a uma combinação de crises, com especial destaque, a partir de 2008 ou 2009, para a chamada crise alimentar (Domingues 2011), combinada com outras crises. Essa combinação, além da crise alimentar, inclui as crises ambiental ou climática, energética e, particularmente, a financeira (Borras et al. 2012). Essas crises aconteceram no contexto do chamado boom das commodities, ou seja, elevação dos preços das matérias primas no mercado internacional (The Economist 2011), o que acabou aumentando a produção agrícola nos países ricos (Silva 2011).[iii]

A crise na segurança alimentar – na verdade, aumento dos preços dos alimentos, reforçada com a notícia de que a população mundial alcançou sete bilhões em outubro de 2011 – de uma maneira geral, recebeu soluções e saídas apenas relacionadas à necessidade de aumentar a produção agrícola. A própria Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) fez cálculos e anunciou que a produção agrícola mundial teria que dobrar para atender à demanda crescente de alimentos devido ao aumento populacional (Mutela 2014).

A segurança ou soberania alimentar, no entanto, não pode ser reduzida a uma equação entre produção, quantidade disponível de alimentos e o número de pessoas, muito menos à quantidade de calorias diárias necessárias para cada pessoa. A segurança alimentar – seja na concepção atual do Comitê de Segurança Alimentar das Nações Unidas, seja em uma perspectiva de soberania alimentar, como defendem os movimentos sociais agrários – transcende à relação entre extensão de área cultivada e quantidade ou toneladas produzidas de grãos (Schiavoni 2017).

Na mesma trilha, a crise ambiental vem sendo traduzida e discutida mais claramente na agenda internacional sob o tema das mudanças climáticas. Mas, não se resume a essas mudanças (Mcmichael 2009), incluindo relações com atividades produtivas no campo e suas interferências. Uma terceira crise, diz respeito à crise financeira,[iv] que teve início em 2008 e 2009 e, entre suas consequências estão a alta liquidez (redução da taxa básica de juros) e expansão da oferta de dinheiro, permitindo investimentos, inclusive em terras e recursos naturais (lógica da mercantilização da natureza) (Borras et al. 2012). Uma quarta crise, ainda que não colocada em ordem cronológica ou de importância, é a crise energética, cujos reflexos imediatos foram as altas dos preços do petróleo, que atingiu seu pico em julho de 2008 (em torno de US$ 147 o barril) – aliás, um fator fundamental na elevação dos preços dos alimentos (Portal G1 2008).[v] Essa crise é composta principalmente pelos desafios em torno da necessidade de fontes alternativas e menos poluentes do que os combustíveis fósseis.

Articuladas. esse conjunto de crises cunhou a chamada demanda dos “4Fs”, que se refere à demanda crescente de food (alimentos), fiber (fibras ou ração), fuel (combustíveis ou energia) e forest (florestas, madeira, celulose e carvão). Além de incentivar o “capitalismo verde”, os 4Fs explicitam a relação entre crise e oportunidade de negócios. A elevação dos preços do petróleo, por exemplo, aconteceu, entre outras razões, pelo aumento das demandas de energia fóssil da China e da Índia (Portal G1 2008), mas também por processos especulativos.

Os 4Fs não abarcam algumas demandas como, por exemplo, água e minérios, mas têm relação direta com a agricultura – inclusive o petróleo, base energética da produção agrícola em grande escala –, portanto, têm relação com a terra e, consequentemente com a questão ou realidade agrária (Sauer e Borras 2016). Esta relação, no entanto, não se resume aos 4Fs, pois há outras demandas, mais especialmente disputas e conflitos relacionados, por exemplo, à extração (predatória) de minérios,[vi] que também impactam diretamente sobre a terra e seu uso.

Consequentemente, a realidade agrária – a terra, portanto – é fundamental em pleno Século XXI. Estão em evidência e em disputa os temas e suas consequências como, por exemplo, concentração e desigualdade; quem produz o alimento (nos termos do debate internacional, se a agricultura familiar – ou a produção em pequena escala – é capaz de produzir o suficiente para alimentar o mundo); processo de desterritorialização de populações do campo, devido à demanda por terras ou expansão das fronteiras agrícolas, entre tantos impactos (contaminação pela mineração, uso excessivo de agrotóxicos) da crescente demanda por terras[vii] e expansão do modelo hegemônico de produção agrícola (Sauer e Borras 2016).

Essa combinação – tanto em termos discursivos como reais – de crises resultou também na ampliação ou aprofundamento do modelo hegemônico, baseado na Revolução Verde, de produção agropecuária. Este aprofundamento está se materializando em dois fenômenos, sendo um o land grabbing ou “estrangeirização de terras” (Sauer e Borras 2016; GRAIN 2016; Borras et al. 2012; Zoomers 2010) e o outro formulado como flex crops ou “cultivos flexíveis”, em analogia aos motores ou à tecnologia flex (Borras et al. 2016).

O fenômeno de flex crops (cultivos ou colheitas flex) (Borras et al. 2016, 94), a partir da combinação de crises – e a consequente busca de segurança alimentar, energética, etc. –, significa que cultivos e mercadorias “[...] têm múltiplas utilizações (alimento, ração, combustível, fibra, matéria industrial, etc.) que podem ser intercambiadas de forma flexível, ou seja, lacunas de abastecimento podem ser preenchidas por outras culturas flexíveis”. Assim, o conceito abarca cultivos com flexibilidade nas substituições (intercâmbio de produtos e componentes) e com usos múltiplos dos produtos, portanto, com importantes avanços tecno-científicos (reais ou imaginários, como promessas de avanços) que facilitam a utilização de matérias primas (uso de enzimas, conversão de usinas em biorrefinarias, etc.) para diferentes propósitos (Borras et al. 2016, grifo nosso).

A flexibilidade e uso múltiplo são combinados a outros fatores, especialmente a financeirização da agricultura (Borras et al. 2016). O capital financeiro é atraído por cultivos flex porque estes têm o potencial de mitigar riscos de investimentos e, ao mesmo tempo, maximizar retornos (Mckay et al. 2016a, 2016b). É importante considerar que um novo conjunto de instituições financeiras e atores influenciam na formação de preços (formação de valor de troca) (Gillon 2016, 119). No entanto, isto não acontece como resultado da relação entre demanda (gerada por crises ou faltas) e oferta que motiva novos investimentos, mas pela especulação (financeirização).

A financeirização (borrando os limites entre investimentos especulativos e produtivos) representa um descolamento do processo “clássico” tanto na formação de preços como nos processos de acumulação (Borras et al. 2016). Segundo esses autores (2016, 102), “mais recentemente, [a financeirização] tem como alvo os setores alimentar e agrícola, especulando sobre atividades em toda a cadeia de suprimento agroalimentar”, gerando uma volatilidade dos preços (fruto das especulações). Esta é a conexão e a atualização da questão agrária, dando importância à terra, para além da histórica concentração da estrutura fundiária, reeditando a importância estratégica dos sujeitos do campo.

            Além desses processos no campo, é necessário considerar mudanças na geopolítica global, especialmente a criação dos BRICS e, por extensão, a presença da China e do Brasil na região (Carpintero et al. 2016). Não cabe aqui uma análise sobre todos os processos e acordos,[viii] contudo, a aliança entre Brasil, Rússia, Índia e China, a partir de uma primeira reunião dos chefes desses Estados, em 2009, e a inclusão da África do Sul, em 2011, vai além de uma mera formalização do acrônimo BRICS, usado por Goldman Sachs no início do século. As várias reuniões e a criação de acordos de cooperação deram caráter de “bloco econômico” aos BRICS, apesar das diferenças – não só de história, cultura, língua, mas especialmente de nível ou poder econômico – entre os cinco países envolvidos.

A formação dos BRICS foi uma “guinada ao sul”, materializando não só a cooperação sul-sul, mas inclinando o eixo global do desenvolvimento do capitalismo (Carpintero et al. 2016; Curado 2015). Essa guinada e o consequente crescimento da importância do Sul-Global não significa apenas cooperação, apesar das narrativas brasileiras enfatizando essa perspectiva na política externa e nos acordos (Mallmann 2015), entre 2003 e 2016. A presença do Brasil na América do Sul, especialmente através de investimentos e empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em grande medida, reproduziu as perspectivas capitalistas de exploração, apesar das narrativas de apoio e cooperação (Sauer, Balestro e Schneider 2017).

Nesse contexto, a China se estabeleceu como um ator chave na região e, desde 2009, o principal parceiro econômico do Brasil (Presidência da República 2019). Contudo, nos últimos dois anos, as relações passaram por momentos críticos (Luca 2021), após a eleição de Jair Messias Bolsonaro (2018-atual). O governo Bolsonaro fortaleceu o campo político do agronegócio e ampliou os ataques à terra e territórios, algo que não é apenas conjuntural. Como parte estrutural do capitalismo brasileiro, ações e medidas anteriores do governo Michel Temer (2016-2018) já explicitavam a lógica capitalista de apropriação privada, marcada pela concentração e exclusão, pelo desmonte de políticas trabalhistas, previdenciárias, ambientais e agrárias, implementadas nas últimas décadas.

O governo Bolsonaro explicita uma crescente “política de confronto e guerra cultural” não apenas nas relações internacionais com a China, como também internamente no âmbito agrário. As tentativas de legalizar a grilagem em todo o território nacional – ou seja, afrouxar as regras legais, ampliar a grilagem de terras públicas e a privatização ilegal de bens comuns (terra, floresta, etc.) – é combinada com tentativas de criminalização de entidades, movimentos e lideranças e benesses aos grandes proprietários. As ações e narrativas sustentam a expropriação e, recentemente, se somam as tensões geopolíticas da pandemia do novo coronavírus (COVID-19).

Eleito com um discurso nacionalista e de extrema-direita, contrário às pautas ambientais, científicas, culturais e sociais, o governo Bolsonaro prometeu vetar a venda de terras a estrangeiros, inclusive chineses. Contudo, são muitas as dificuldades de conciliar a agenda “conservadora, nacionalista e de costumes” com o “ultra-liberalismo” do Ministro da Economia, Paulo Guedes. A partir de 2020, a pandemia aprofundou as contradições e um dos resultados foi a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), no Senado, em abril de 2021, cujo objetivo é investigar ações e omissões no combate à pandemia.

Com apoio da bancada ruralista, evangélica e de setores militares, o governo Bolsonaro mantém um discurso hostil e contraditório em relação ao maior parceiro comercial brasileiro. A postura negacionista do vírus e das vacinas, de defesa pública da prescrição da cloroquina e de desmantelamento da política nacional de imunizações, segue promovendo aglomerações e desestimulando o uso de máscaras e de isolamento social, sob uma falsa dicotomia entre saúde pública e desenvolvimento econômico.

Alinhando-se ainda mais à bancada conservadora do agronegócio, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra (autarquia federal) admitiu,[ix] perante ação no Supremo Tribunal Federal (STF), a paralisia na reforma agrária. O ano de 2020 apresentou o menor orçamento para aquisição de terras desde 1995. Segundo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), cerca de 80 mil famílias estão à espera de terra. Desde 27 de março de 2019, a presidência do Incra determinou a paralisação de 413 processos de desapropriação e aquisição de terras e suspendeu a realização de vistorias em imóveis rurais (STF 2021).

Além do colapso das políticas agrárias e de saúde pública, nos últimos meses de 2021, tornaram-se ainda mais recorrentes os ataques à liberdade de Imprensa, às Universidades e Centros de pesquisa e à autonomia dos Poderes, em especial contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional. Em março, uma crise no Ministério da Defesa levou comandantes militares a entregarem seus cargos e às vésperas de uma possível 3ª onda da pandemia, o presidente convocou motociclistas de várias partes do país, para demonstrar força política em aglomerações públicas (Rodrigues 2021). Recentemente, sem citar diretamente a China, Bolsonaro insinuou que a pandemia seria um instrumento de guerra para garantir crescimento econômico. Em 06/05/21, o porta-voz do governo chinês evitou falar o nome do presidente brasileiro, mas disse ser contra a “politização” da pandemia (Estadão 2021).

Além da China e Brasil, os BRICS tiveram um papel crucial, não só na geopolítica global como também nos processos econômicos regionais, particularmente no setor agropecuário do Cone Sul. Isto porque o modelo de crescimento econômico dos BRICS está baseado no uso intensivo dos recursos naturais, especialmente nos processos de exportação de commodities agrícolas (e não agrícolas como, por exemplo, minérios, petróleo, entre outros) (Carpintero et al. 2016).

Outros acordos e processos regionais não podem ser desprezados em análises da recente dinâmica econômica regional. Os BRICS estão acompanhados do que se chama na literatura internacional dos MICsmiddle income countries, países de renda média ou “países em desenvolvimento” – como, por exemplo, Argentina, Venezuela, Equador, apenas para citar alguns exemplos regionais (Curado 2015). A geopolítica atual não é determinada apenas pelos BRICS e seus acordos e interesses, mas por uma combinação, bastante intrincada (um mundo multipolar), que a noção de sul-global abarca (Barros 2009).

Para além do Brasil, a presença da China na região é fundamental, pois é o principal parceiro comercial da América Latina (Curado 2015), tendo o comércio entre os dois crescido 25 vezes desde 2000. Os investimentos chineses fizeram com que o país asiático se tornasse o principal destino das exportações da América Latina (Hogenboom 2014). A partir de 2009, a China passou a ser o principal parceiro comercial do Brasil e da Argentina, e o maior credor de países como o Equador. Os investimentos e empréstimos chineses – recursos emprestados em troca de petróleo ou de outras commodities – não resultam em nenhuma condicionante[x] como, por exemplo, ajustes econômicos, privatizações, ou qualquer outra exigência além dos termos de troca estabelecidos (Hogenboom 2014).

A postura chinesa de não interferência (política) não significa que não haja fortes influências internas nos países, como se viu no caso recente do Brasil durante a pandemia (insumos e imunização). Elas ocorrem, não através de imposição de modelos ou exigência de mudanças político-econômicas, mas nos processos de troca, devido justamente à demanda por produtos primários (Carpintero et al. 2016), causando, por exemplo, transformações no uso da terra. Essas demandas e acordos comerciais, além de incentivar a expansão das fronteiras agrícolas e fortalecimento do agronegócio exportador em países como o Brasil, são as bases materiais do que a literatura internacional conceituou como neoextrativismo, ou seja, a geração de superávits na balança comercial baseado na exportação de commodities, gerando recursos para investir em programas sociais (Baletti 2014; Gudynas 2012).

Em termos da geopolítica regional, os embates, especialmente com os Estados Unidos, não estão relacionados a modelos de desenvolvimento (ou mesmo a posturas não imperialistas), mas justamente aos jogos de interesses políticos e disputas comerciais (Mckay et al. 2016). Essas disputas pela hegemonia regional são, em vários aspectos, uma novidade que transcende às fronteiras nacionais e entendimentos mais amplos dos históricos problemas domésticos, inclusive das disputas políticas no continente (Roberts 2016).

A formalização de acordos comerciais, tanto regionais (ênfase no Mercosul, ou mesmo nas demais tentativas como a Alba e a Unasul) como globais, independentemente das fragilidades e dificuldades, envolvendo particularmente governos progressistas representam ameaças reais à histórica hegemonia estadunidense no Continente. O esgotamento das narrativas neoliberais e as mudanças políticas nos vários países (Brasil, Argentina, Bolívia, Equador, Uruguai, Chile, brevemente no Paraguai, entre outros), e uma reaproximação dos países do Sul (primeiro pela retomada do Mercosul) afetaram diretamente os interesses históricos dos Estados Unidos[xi] na região (Roberts 2016; Mckay et al. 2016).

Em termos econômicos, primeiro, é preciso considerar que há (ou houve) uma mudança nos atores envolvidos, tanto com uma maior influência da China, como de outros agentes (empresas chinesas, mas também agentes financeiros). Em termos culturais e políticos, portanto, é bastante distinto tratar (estabelecer acordos) com os Estados Unidos ou com a China, mas também com a Rússia ou com a Índia que estão presentes na região. A não imposição de uma agenda neoliberal, no entanto, não significa acordos e cooperação sem impactos, inclusive há uma série de discussões sobre processos de desindustrialização do Brasil devido a acordos com os BRICS (Curado 2015; Bresser-Pereira e Marconi 2009).

Segundo Bresser-Pereira e Marconi (2009), entre os diversos indicadores de desindustrialização (ou reprimarização da economia) estão os dados de exportação. A balança comercial brasileira, por exemplo, é superavitária desde 2001, mas depende fundamentalmente da exportação de minérios e produtos agropecuários. As exportações agropecuárias foram responsáveis por 42%, em média, do total exportado até 2010, caindo um pouco, para 39,5% em 2012 (Conceição e Conceição, 2014). Do total exportado, 23,2% foram de soja e 8,8% de farelo, além de percentuais menores de outros derivados de soja. Houve ainda a venda de açúcar (13,3%), frango (9,6%) e carne bovina (7,6%), contudo o complexo soja foi o maior item exportado em 2012. Desta lista restrita de bens exportados, a China é o principal destino, recebendo 18,8% do total (contra 5,5% em 2002), superando os Estados Unidos que, em 2012, recebeu apenas 7,3% (sendo que eram mais de 16% em 2002) (Conceição e Conceição, 2014).

Em relação à presença da China[xii], destaca-se a partir de 2014, uma série de aquisições (compras e fusões) de grandes empresas chinesas do agronegócio (Puyana e Constantino 2015). Ainda em 2014, a COFCO (China National Cereals, Oils and Foodstuffs Co.), uma das principais empresas chinesas de cereais, óleo e alimentos, comprou a Noble (empresa do agronegócio com sede em Singapura e Hong Kong) e Nidera (empresa de sementes e comercialização, com base na Holanda) (Oliveira 2017; GRAIN 2016). Estas eram duas grandes empresas com forte atuação na Argentina, mas também com investimentos no Brasil desde 2004 (inclusive a Noble era proprietária de terminal no Porto de Santos). Com essa aquisição, a COFCO passou a ser a segunda maior empresa esmagadora de soja (12,8% do total) na Argentina em 2015, atrás apenas da Cargill (Craviotti 2017). No Brasil, a COFCO foi a terceira maior exportadora de soja no mesmo ano, ficando atrás apenas da Cargill e Bunge.[xiii] Segundo o Ministério da Economia, em 2018, o comércio com a China foi de US$ 98,6 bilhões, com superávit para o Brasil de US$ 29,2 bilhões. São minérios, petróleo e produtos agrícolas que o mercado chinês absorve e que, segundo a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), impulsionaram o agronegócio brasileiro.

A presença da China na região ganhou um novo perfil. As fusões e aquisições mencionadas representam a consolidação da China[xiv] no setor, inclusive desafiando “o controle do comércio mundial de grãos pelas quatro grandes” do agronegócio (Wilkinson, Wesz Jr. e Lopane 2016, 16), ou ABCD – ADM (Archer Daniel Midlands), Bunge, Cargill e Dreyfus. Essas fusões ou aquisições fazem parte de processos globais de concentração (e oligopolização) do setor, que não está restrita a uma maior atuação da China na região.[xv] O Brasil foi, entre 2003 e 2015, um ator importante nesses processos, com investimentos do BNDES e financiamentos de infraestrutura em vários países do Cone Sul. De 2008 a 2014, o BNDES foi o principal financiador, se constituindo verdadeiramente em um banco regional de desenvolvimento da América Latina, pois superou os investimentos do Banco Mundial e do Banco Inter Americano de Desenvolvimento (BID) (Sauer, Balestro e Schneider 2017), especialmente no contexto dos acordos da Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) (Safransky e Wolford 2011).

Há poucas informações sobre investimentos diretos brasileiros em terras na região, como, por exemplo, os land grabbing brasileiro no Paraguai e na Bolívia, acontecidos nos anos 1970 e 1990. Houve até 2014, no entanto, investimentos (basicamente com recursos públicos do BNDES) em setores como, por exemplo, na agroindústria, particularmente no setor de processamento de carnes (Mackay 2015). A participação ativa do Brasil ajudou a expandir o agronegócio regional (reprodução do modelo agropecuário, exportador, monocultor, concentrador de terras), particularmente na expansão da soja (Wilkinson, Wesz Jr. e Lopane 2016).

Tanto as crises citadas quanto a mudança geopolítica no continente intensificam as disputas por terra e recursos naturais que, além dos antigos atores envolvidos nas disputas (indígenas, camponeses, comunidades tradicionais, entre outros), ganham outros atores nesse enfrentamento, a juventude. Jovens esses que, de diferentes maneiras, lutam por direitos, dizendo “basta” ao modelo agroexportador e à destruição da natureza, entre outras bandeiras.

 

 

2. Juventude no campo latino americano

 

Um grito ronda os movimentos sociais da Colômbia: “o governo está nos matando!”. A expressão identifica formas de repressão desencadeadas pelo governo, contra a mobilização iniciada em 28/04/21, data em que sindicatos convocaram uma greve nacional (Lerma 2021). A crise chamou a atenção do Escritório de Direitos Humanos da ONU, que acusou uso excessivo da força por mecanismos como o Esquadrão Móvel Antidistúrbios da Polícia (Esmad). Na cidade de Cali, a polícia abriu fogo contra manifestantes (Pardo 2021).

Os antecedentes da violência de maio de 2021 remontam à greve de novembro de 2019. A mobilização nacional foi convocada por centrais de trabalhadores, organizações sociais, camponesas, indígenas, afrodescendentes e estudantis, e que também teve como protagonistas as pessoas jovens. A população se mobilizou contra o “pacote Duque”, que, entre outras medidas, pretendia baixar o salário mínimo em 75% para jovens menores de 25 anos e diferenciá-lo de acordo com a produtividade de cada região (Lerma 2021).

Em meio à pandemia e a um ano das eleições, a Colômbia passa por grandes mobilizações populares (Miranda 2021, Pardo 2021). Segundo Jorge Restrepo, há indignação somada ao enorme descontentamento social, pois a pandemia acrescentou um grande sofrimento. Meio milhão de negócios faliram, a pobreza aumentou em 6,8 pontos chegando a 42,5% da população (Quesada 2021).

Populações urbanas e rurais de cidades como Cali, no Vale do Cauca, com 2,2 milhões de habitantes, ficaram bloqueadas por ar e terra, durante dias. Apesar de não existirem lideranças bem definidas, representações de quase todos os setores se mobilizaram e chegaram até mesmo a municípios de pequeno e médio porte. Muitos protestos foram convocados por jovens, com o apoio de idosos e de populações subalternizadas, como negros e indígenas. Paralisaram a produção, o abastecimento e o transporte, inicialmente contra o projeto de reforma tributária do governo Iván Duque (2018-atual), que tratou as manifestações como “terroristas” (Griffin e Acosta 2021).

A retirada da reforma tributária da pauta e a queda do ministro da Fazenda, Alberto Carrasquilla, não aplacou a ira das ruas. Em maio de 2021, membros de sindicatos, estudantes, pensionistas e trabalhadores foram às ruas da Colômbia para protestar contra o governo e as manifestações entraram em sua terceira semana (Griffin e Acosta 2021). O Ministério Público e a Defensoria do Povo contabilizaram 42 mortos desde abril. A ONG Temblores fala em 43 homicídios (AFP 2021). São cerca de 1,7 mil feridos. Muitas dessas mortes ocorreram em Cali, Bogotá, Ibagué, Madrid, Medellín, Neiva, Pereira, Soacha e Yumbo. A maioria dos mortos e feridos são jovens, inclusive de áreas rurais (Miranda 2021; Jorge 2021).

A juventude rural é uma categoria ordenadora de representação social. Termos como “jovem da roça, juventude rural, jovem camponês” referem-se a categorias aglutinadoras de atuação política que, nas últimas décadas, vêm passando por reconfigurações na América Latina. Ao mesmo tempo em que dialogam com o mundo, esses jovens reafirmam suas identidades de “trabalhador, camponês, agricultor familiar” e, ainda, se inserem nas disputas por terra, trabalho e cidadania (Castro, 2009, 183), particularmente organizados em redes como a Via Campesina internacional.[xvi]

Embora essa articulação não seja uma novidade, “estamos testemunhando uma reordenação da categoria”, que envolve lutas sociais sob diversas formas e contextos. Na América Latina, isso significa o surgimento de um rosto jovem, diverso e mutável convocando toda a sociedade para

 

compreender o mundo de outra maneira, para postular com sua ação um mundo distinto, um mundo onde caibam muitos mundos; e isto vai ter relação com todos os grandes temas que hoje inquietam os jovens, por exemplo, a mudança climática, o cuidado com a natureza, de modo que, como está estabelecido nas Constituições Nacionais do Equador e Bolívia, o fundamental seja o bem viver mais do que o desenvolvimento selvagem, o bem viver mais do que o consumo, onde sejam considerados os direitos à água, à terra, das comunidades e de todos os atores sociais, entre eles, crianças e jovens, com suas vozes e suas formas de ação (Fraga e Gonzalez 2015, 38).

 

Seja pela resistência a tais políticas, seja pela violência que delas decorrem, o debate vem se tornando central e “é evidente o esforço acadêmico, de ações governamentais e mesmo, do chamado terceiro setor para tratar juventude” (Castro 2009, 181). Contudo, isso é relativamente recente. Em 1985, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou, pela primeira vez, o Ano Mundial da Juventude e o tema adentrou nas políticas públicas, o que só se tornou mais frequente nas agendas de pesquisa após os anos 1990. Na América Latina – a exemplo de Brasil e Colômbia –, os jovens ganharam visibilidade acadêmica e jurídica há apenas vinte ou trinta anos (Uribe 2001; Fraga e Gonzalez 2015).

A visibilidade da juventude na Colômbia continua marcada pela violência. Os adolescentes Santiago e Marcelo foram mortos por forças policiais durante os protestos que tomaram as ruas na semana de 07/05/21. Ambos eram jovens, estavam prestes a concluir o ensino médio e entrar para a universidade. Os pais dos dois jovens exigem justiça, não apenas por parte da polícia, mas também das Forças Armadas e do próprio presidente. Armando Agredo relata que seu filho Marcelo decidiu sair às ruas para protestar contra a reforma tributária “cansado de tanto abuso”. (AFP 2021). No relatório da Defensoria Pública sobre as causas das mortes, consta que tanto Marcelo quanto Santiago perderam a vida por armas de fogo (Miranda 2021).

Por outro lado, a juventude rural ainda é pouco abordada. O foco está na juventude dos espaços urbanos das grandes metrópoles e a juventude rural é percebida como uma população específica ou, equivocadamente, como uma minoria da população jovem. No Brasil, a população de 15 a 29 anos soma 49 milhões (27% da população total), dos quais 8 milhões são jovens rurais. Fato é que, mesmo como “minoria”, esse contingente é significativo, sob aspectos quantitativos e qualitativos (PNAD 2006):

 

No entanto, o debate deve considerar a juventude para além de um recorte de população específica, mas, sobretudo, a partir dos processos de interação social e as configurações em que está imersa. Neste sentido, juventude é, além de uma categoria que representa identidades sociais, uma forma de classificação social que pode ter múltiplos significados, mas que vem se desenhando em diferentes contextos como uma categoria marcada por relações de hierarquia social (Castro 2009, 182).

 

No Brasil, o papel reflexivo e transformador da juventude rural tem sido observado em movimentos como no “MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), no Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais e em organizações religiosas evangélicas e católicas” (Castro 2009, 183), sendo uma dimensão fundamental da reprodução social no campo. Em outros países, como a Colômbia, a reordenação da categoria social passa por elementos históricos profundamente particulares, marcados por conflitos por terras, que envolvem interesses do narcotráfico, organizações guerrilheiras e paramilitares, além de intervenções norte-americanas. São dinâmicas “que se entrecruzam, definem olhares e, mesmo, a atuação do poder público” (Castro 2009, 180).

A capacidade crítica e renovadora da juventude rural é retratada em inúmeros documentos, sendo que três recentes retratam as reivindicações e lutas dos jovens na região. A escolha não tem o objetivo de ser exaustiva, mas de abranger situações comuns ao longo do continente, que identificam tanto as estratégias de acumulação do capital como as resistências desses jovens. Reunidos em novembro de 2014, no Rio Grande do Sul,[xvii] jovens de todos os países do Continente colocaram a ênfase em 10 compromissos como solidariedade, justiça social e a luta contra o machismo, a homofobia e o racismo. Entre esses compromissos estão:

 

Lutar pela reforma agrária, pela produção e o abastecimento popular de alimentos saudáveis, pela agroecologia, soberania energética, hídrica, genética e territorial afirmando o campo como espaço de vida e os povos originários e camponeses como a base do desenvolvimento do campo. Lutar por uma vida digna, moradia, mobilidade, educação popular, tempo livre e cultura [...]. Defender a integridade da vida humana e da biosfera, protegendo-a contra a ganância do capital que mercantiliza, viola e mata (Carta 2014, sem página).

 

Estes compromissos evidenciam a importância da reforma agrária, tema clássico da questão agrária, mas também trazem novas dimensões e demandas ambientais, culturais, territoriais etc. Além disso, a carta enfatiza a concepção de que a defesa da terra e do território é a defesa da vida (Montenegro Gómez 2010).

Jovens de todo o continente levantam a bandeira da reforma agrária e da produção saudável de alimentos ao mesmo tempo em que grandes veículos de comunicação anunciam o fim da reforma agrária. Manchetes afirmam “a cada vez mais desnecessária reforma agrária”, exaltando que “o ‘latifúndio improdutivo’ foi extinto pelo avanço do capitalismo no campo, na expansão da fronteira agrícola até as franjas da Amazônia” (O Globo 2013). Jovens continuam levantando uma bandeira enquanto intelectuais afirmam que a reforma agrária, “nos termos propostos e até hoje vigentes, se tornou desnecessária, anacrônica e até incoerente – para usar termo polido – do ponto de vista do País” (Buainain 2013). Serão esses jovens anacrônicos? Serão esses jovens, num jargão comum, “rebeldes sem causas”?

Pelo contrário, esses jovens estão atentos aos problemas do seu tempo e além dele. Lutam por soberania nas suas distintas interfaces e a soberania alimentar é uma destas bandeiras. Como afirma Rosset (2006, 311), ela “envolve a implementação de processos radicais de reforma agrária massiva, adaptada primordialmente às condições de cada país e região e que propicie ao camponês [...] acesso equitativo a recursos produtivos, primordialmente a terra, água e florestas”.

A despeito de decretos taxativos (esses sim, não são nenhuma novidade), o tema da reforma agrária persiste na pauta política nacional e internacional e é reforçado pela demanda crescente de alimentos, pelas mudanças climáticas dentre outros (Sauer 2013). Além das crises citadas e aspectos geopolíticos na região, bandeiras da juventude em toda América Latina se renovam e ganham novas dimensões com lutas por terra e território (Montenegro Gómez 2010; Sauer 2013), mas também por lazer, cultura e educação, que contemplem esse público no campo e na cidade.

Com abrangência geográfica menor que a iniciativa anterior, mas igualmente significativa, o 5º Acampamento reuniu jovens dos diferentes departamentos do Paraguai, sob o lema “juventude que se anima a lutar constrói poder popular”.[xviii] A declaração final se solidariza com as populações de territórios invadidos pela militarização, os afetados pelas mudanças climáticas e com os homens e mulheres que, por condições de desigualdade, são forçados a migrar. Destaca-se novamente a forte influência da questão ambiental, especificamente com relação às mudanças climáticas.

Nessa declaração, os jovens manifestam como compromisso buscar o protagonismo “no fortalecimento da luta por educação pública gratuita e de qualidade” (Declaração 2016). As lutas desses jovens envolvem demandas por educação, reforçando que “uma contribuição para pensar políticas públicas para ‘esta’ juventude seria observar as demandas da própria juventude rural organizada” (Castro 2009, 201). Tal compromisso reforça ainda a “necessidade de lutar pela manutenção das políticas públicas conquistadas”, enfrentando “às necessárias lutas a serem empreendidas para não permitirmos retrocessos nas políticas públicas” (Molina 2015, 395).

Na mesma declaração, os jovens se comprometem com “a promoção da soberania alimentar dos povos e no avanço da produção agroecológica como uma prioridade igual da reforma agrária” (Declaração 2016). O compromisso de promover a soberania alimentar se alinha com aspectos clássicos da questão agrária, as formas e a escala de produção e o abastecimento de alimentos, contudo incidindo em questões qualitativas e não só quantitativas. O debate remete à reflexão sobre a mercantilização da produção e a comercialização exagerada de produtos agrícolas transportados desde lugares remotos (Montenegro Gómez 2010).

A soberania alimentar se firma como um paradigma vinculado aos aspectos ambientais, destacando a importância de construir uma agricultura ancorada no local e que limite os insumos necessários para produzir e comercializar a produção, em função do contexto de cada população (Montenegro Gómez 2010). Sauer e França (2012, 317) afirmam que “a preservação de nascentes, córregos e rios é parte fundamental das estratégias de soberania e segurança alimentar, não apenas pela necessidade de produção de alimentos, mas também como um componente essencial e indispensável à vida”.

A Agroecologia aprofunda um debate necessário que se propõe tanto contra o capital intensivo em tecnologias destrutivas como contra inserções produtivas da agricultura de pequeno porte, voltada apenas à quantidade de produto e sua venda no mercado (Montenegro Gómez 2010). Para Balestro e Sauer (2009, 8), a Agroecologia é “a possibilidade de liberdade frente às determinações postas como quase naturais de um modelo econômico que artificializa a vida e incentiva o desperdício de recursos finitos do planeta”. Uma transição agroecológica “implica a passagem de um processo de reprodução social completamente insustentável no longo prazo para um outro que não carregue o fardo das tendências destrutivas do nosso tempo” (Balestro e Sauer 2009, 8).        Assim como a soberania alimentar e a Agroecologia, esses jovens defendem o resgate das sementes nativas e crioulas, compreendidas como fundamentais para sua soberania, sendo que as pesquisas nesse campo encontram-se majoritariamente nas mãos de grandes grupos empresariais (Sauer 2010), expressando o compromisso com “[...] a preservação e resgate das sementes nativas e crioulas e nos cuidados com a Mãe Terra” (Declaração 2016). Ao manifestar os cuidados com a Mãe Terra, evidenciam a concepção que esses sujeitos têm da terra como elemento indissociável da vida em todos seus aspectos, não só econômico-produtivos. Consequentemente, a utilização de técnicas e insumos que deturpam essa relação é considerada absolutamente improcedente.

Esses jovens assumem um discurso em defesa da vida ao levantar bandeiras de lutas como a soberania alimentar, a agroecologia e a defesa da Mãe Terra. Propõem projetos de vida, diferentes da lógica capitalista marcadamente exógena (Montenegro Gómez 2010).

Na mesma toada, jovens Tupinambás, reunidos em dezembro de 2016, escreveram a Carta Aberta do Encontro Geral da Juventude Tupinambá,[xix] apresentando suas lutas, reivindicações e demandas.[xx] Os temas abordados no encontro foram demarcação, autodemarcação, terras tradicionalmente ocupadas, reservas propostas pelo governo, situação quantitativa das reservas, de terras demarcadas e em processos de demarcação (Carta Aberta 2016). As lutas por terra, território, reconhecimento (Sauer 2010b) são evidentes na vida dos jovens Tupinambás, assim como seus povos lutam para garantir direitos. Além das demandas por reconhecimento de territórios, os jovens Tupinambás apresentam críticas ao modelo de desenvolvimento defendendo que:

 

A força da retórica de que nós Tupinambá teríamos sido “extintos” cria diversas dificuldades para nossas lutas na construção de novas formas de vida e cultura num país onde as alternativas ao modelo de desenvolvimento atual – que destrói ambientes e aprofunda opressões – muitas vezes parecem escassas (Carta Aberta 2016, sem página).

 

Esses jovens resistem à condenação do “desenvolvimento realmente existente” (Latouche 2009) e, como afirma Montenegro Gómez (2010, 22), “movimentos sociais urbanos e rurais, indígenas e de defesa dos direitos humanos compartilham da ideia de que os projetos desenvolvimentistas exercem uma estrita dominação sobre o território em seu conjunto”. Além das críticas ao modelo imposto, esses jovens enunciam algumas de suas formas de resistência:

 

[...] a defesa de nossas práticas tradicionais, bem como, produção das novas etnopolíticas que fizeram e fazem parte da contínua e difícil escolha de criar outros mundos – outras humanidades e ecologias – para além e contra aqueles da (neo)colonização e da exploração da natureza e dos homens a partir da acumulação privativista (Carta Aberta 2016, sem página).

 

A afirmação das territorialidades e identidades territoriais estão entre os elementos de “r-existência” das populações “tradicionais” (Cruz 2006), especialmente dos jovens, cruciais nos processos de reprodução social dos povos do campo. R-existência, pois lutam e resistem contra os que exploram, dominam e estigmatizam essas populações, mas também afirmam maneiras de existir e ser. Resistências e lutas por determinados modos de vida e de produção, mas também diferenciados modos de ser, sentir, agir e pensar (Porto-Gonçalves 2001).

No Brasil, assim como na América Latina, grupos sociais acionam a identidade “juventude rural” para identificar questões e bandeiras gerais dos movimentos sociais do campo, mas também lutas e reivindicações específicas. É uma categoria social, mobilizadora de atuação política (Castro 2009). Entretanto, esta categoria convive com percepções contraditórias uma vez que, por um lado, a juventude é normalmente definida como vanguarda, transformadora, questionadora, por outro, como em formação, inexperiente, sensível (Castro 2009). Esses jovens, enquanto sujeitos, apresentam tanto demandas comuns aos seus movimentos ou comunidades de origem, como atualizam e reinvindicam direitos específicos.

A juventude da América Latina lança luz ao debate sobre resistências e temas comuns e clássicos, que contemplam múltiplas dimensões da questão agrária, dos conflitos por terra e território, das lógicas de produção capitalista e suas diferentes frentes de desenvolvimento e exclusão social. Traz também outras demandas, como as lutas por educação e lazer, que levem em consideração nos percursos formativos escolares e não escolares, direitos, culturas e identidades dos sujeitos do campo. Esses jovens encampam a luta das mulheres pelo seu reconhecimento, seu papel na geração de renda e vida, na produção de alimentos e pela melhoria das condições de vida no campo. Evidenciam o bem viver como princípio dos povos originários; a alimentação saudável, por meio de saberes e práticas da agroecologia e da agricultura orgânica, da economia solidária em contraposição à perspectiva corporativa da alimentação, entre outros aspectos.

 

 

3. Juventude e luta pela terra na Colômbia: violência e pacificação

 

A juventude rural vivencia as lutas sociais por terra, direito e paz que se manifestam por diversas frentes, como se vê nas manifestações populares e de massa, na Colômbia. Em maio de 2021, “o país está em chamas”, nas palavras de María Emma Wills, professora da Universidade de Los Andes. A reação do Estado tem sido o “chumbo” para quem protesta (Quesada 2021).

Os antecedentes mais imediatos da violência estatal de 2021 remetem à greve de novembro de 2019. Convocada por Centrais de trabalhadores, organizações sociais, camponesas, indígenas, afrodescendentes e estudantis, também teve como protagonistas as pessoas jovens. A população se mobilizou contra o que chamou de “pacote Duque”, que, entre outras medidas, pretendia baixar o salário mínimo em 75% para jovens menores de 25 anos e diferenciá-lo de acordo com a produtividade (Lerma 2021).

A Colômbia é um caso paradigmático de estreita relação entre a juventude rural e as lutas sociais por terra, direito e paz, em meio a um verdadeiro “juvenicídio”, promovido pela resposta violenta do Estado. Além de uma população jovem, a Colômbia tinha, em 2010, uma população de 45 508 205 habitantes, dos quais 49,4% eram homens e 50,6% mulheres (DANE 2010). Em 2018, a população era estimada em 48 258 494 pessoas, das quais 51,2% mulheres e 48,8% homens. Cerca de 22,6% da população possuía até 14 anos de idade; 68,2% da população possuía entre 15 e 65 anos de idade e 9,1% mais de 65 anos de idade. A maior parcela da população jovem, de 15 a 29 anos, está concentrada em departamentos com índices significativos de pobreza,[xxi] tais como Amazonas, Putumayo, Guainía, Vichada, Guaviare e Arauca (DANE 2019, 2020):

Fonte: Censo Nacional (DANE 2019, 1).

 

Apesar da predominância da população urbana, a população rural tende a protagonizar o cenário político, econômico e cultural, em especial porque, historicamente, os conflitos armados envolvem os temas e espaços rurais colombianos (Castro 2019). A relevância da população jovem também se traduz em números de violência e pobreza.

Dos mais de sete milhões de afetados pelo conflito na Colômbia, pelo menos dois milhões são jovens e representam 28% do total de vítimas. Segundo o Censo, 72,6% dos jovens entre 17 e 24 anos que vivem nas zonas rurais não têm acesso à educação e 11,5% da população camponesa com mais de 15 anos não sabe ler e escrever (DANE 2010; Palomino 2016). Parte desses jovens estão em departamentos colombianos com altos percentuais de pobreza multidimensional. Isto é, possuem baixo acesso às condições de educação, saúde, trabalho, serviços públicos, infância e juventude saudáveis e habitação. A pobreza nos municípios mais populosos do país foi de 13,8%. Nas áreas rurais o percentual é de 39,9% (DANE 2019, 2020).

Embora a violência e a privação de direitos, em desfavor dos mais jovens, possuem raízes antigas e remontam ao passado colonial, nas últimas seis décadas, as disputas assumiram feições peculiares, dentro de um intenso conflito armado interno (CAI).[xxii] Desde as décadas de 1940 e 1950, partidos políticos tradicionais radicalizaram suas disputas, acirrando os problemas rurais e desencadeando uma onda de violência sem precedentes (Castro 2019). Os camponeses organizados pelo Partido Comunista Colombiano (PCC) estruturaram os primeiros focos de resistência armada (Ceará 2009). Posteriormente, a Colômbia passou pelo agravamento de confrontos entre o Estado e diferentes organizações/movimentos sociais. A partir dos anos 1960, conformaram-se formas de violência do Estado nas zonas de colonização armada ou regiões de autodefesas[xxiii] (Leongómez 2006, 64). Na sequência, houve a expansão do narcotráfico (anos 1970) e a consolidação de organizações paramilitares (anos 1980) (Franco et al 2006).

Ao longo do século XX e no alvorecer do século XXI, existiram grupos armados reconhecidos como guerrilhas.[xxiv] Tais grupos atuaram em negociações formais e/ou ações violentas, sob comandos organizados e reconhecidos entre seus integrantes, controlando certas regiões do país. Da mesma forma, os grupos armados paraestatais, reconhecidos como paramilitares, organizaram-se com o aval do Exército Nacional Colombiano e criaram, a exemplo das Autodefesas Unidas de Colômbia (AUC), forças de defesa do empresariado agrícola, pecuarista, agroindustrial e de narcotraficantes (Arnson 2004, Castro 2019).

Os anos 1990 foram marcados pelo combate ao tráfico de drogas. Os Estados Unidos da América (EUA), com base na diplomacia retaliativa e na mobilização militar, apoiaram diversas iniciativas (Díaz 2002; Grisales 2013). Os Planos Colômbia e Patriota intensificaram a militarização e a polarização da Colômbia ante seus vizinhos latino-americanos. Contudo, esses investimentos não impediram o aumento da violência contra a população camponesa e povos indígenas.[xxv] Permaneceram problemas históricos, como a falta de atividades alternativas e terras para o campesinato (que vivia em extrema pobreza, trabalhando nos cultivos de coca e papoula para garantir sua sobrevivência). A falta de perspectivas educacionais e laborais entre os jovens também foi um fator de opção pelas forças armadas, grupos paramilitares e movimentos de esquerda (Cavallaro e Mendonça 2002; Díaz 2002; Gallego 2008).

Panoramicamente, o quadro interno consolidou o histórico conflito político e de extrema pobreza na Colômbia (Ceará 2009, 205). Houve assim um “contexto político excludente de democracia restringida, que centraliza o exercício do poder político nas mãos dos partidos tradicionais e no desenvolvimento de um regime de governo que levanta uma estratégia de luta contra os movimentos sociais e os partidos de oposição” (Gallego 2008, 83).

Tal realidade emergiu atualizada em 2021, sob a violência estatal. O país ficou semanas paralisado e protestos se estenderam ao longo de todo o território. A hostilidade política da população, contra o presidente Iván Duque, explica que as pessoas tenham ido inicialmente às ruas em 28 de abril para protestar contra a reforma tributária (que pretendia levar adiante no Congresso, após a pandemia de COVID-19). Após cinco dias de clamor nas ruas e quando começavam a surgir os primeiros casos de repressão policial, o presidente retirou a reforma e demitiu o ministro da Economia. O protesto, entretanto, ficou maior. Regiões e cidades inteiras foram bloqueadas. Os manifestantes levantaram postos de vigilância e barricadas. A polícia tentou dispersar as multidões com violência (Quesada 2021).

Nesse quadro, a juventude é protagonista de lutas sociais e vítima da violência institucionalizada. No caso colombiano, é comum referir-se ao “juvenicídio” como a prática massiva e reiterada de atentar contra a vida de jovens. São pessoas expostas a “atentados contra suas possibilidades de emprego, na dimensão econômica; atentados contra a participação, na dimensão política; atentados contra uma adequada representação midiática, através das formas simbólicas; e, é claro, atentados contra a vida propriamente dita” (Fraga e Gonzalez 2015, 33). Particularmente a juventude rural colombiana tem sido privada de direitos, não somente em razão de históricos conflitos armados, mas sobretudo por crimes de Estado, que envolvem o pano de fundo das lutas por terra.[xxvi]

Historicamente, os conflitos ligados a lutas pela terra foram se mesclando com outras causas, como o narcotráfico e a paramilitarização. Contudo, é importante desmitificar a ideia simplista de que a juventude rural colombiana está envolvida com a produção de coca e outras substâncias psicoativas em geral e, apenas por isso, é vítima de violência estatal. Há questões importantes a serem agregadas nessa análise, que envolvem a identidade sociocultural, moradia e as relações de trabalho no meio rural colombiano.

As pessoas que moram nos territórios onde existem os cultivos – os chamados “raspachines” (coletores das folhas) – desenvolvem a atividade para sobreviver, como mão-de-obra contratada por donos de cultivos, por grandes narcotraficantes e pelas guerrilhas. Muitas regiões da Colômbia onde há cultivos ilícitos coexistem com territórios de cultivos diversos, como de gêneros alimentícios das comunidades indígenas, camponesas, de agricultores familiares e demais povos tradicionais. Ou seja, a desigualdade social e a disparidade de renda agravaram e expandiram cultivos ilícitos, sendo que camponeses, indígenas e a própria juventude rural “estão envolvidos porque moram lá e fazem a colheita nas plantações” (Fraga e Gonzalez 2015, 36), mas suas atividades vão além e se manifestam por produções de alimentos e outros bens materiais e culturais de valor social. Assim, muito além do narcotráfico, os conflitos afetam transversalmente a vida nacional e colocam a juventude rural em evidência, pois:

 

A luta pela terra é um fator determinante no devir da guerra irregular na Colômbia. O controle de territórios de cultivos ilícitos, áreas de produção e de distribuição de drogas, regiões de produção agrícola, mineral ou de gado são alvos dos grupos armados e, portanto, epicentros tanto de combates como de hostilidades (GIL 2009, 89).

 

É preciso então considerar que a juventude rural não é um conjunto homogêneo com categorias fixas. Assim, se insere em uma diversidade que inclui “jovens em meio à guerra; na guerra; em condições marginais; em bairros populares e em contextos rurais e urbanos”. Apesar das variadas narrativas e interpretações da juventude sobre a terra, os conflitos e a paz, “não se perfila em suas narrativas o ideário de uma razão moderna, de consenso e encontro de mínimos para a convivência”. Ao contrário, os distintos grupos da juventude, incluindo jovens rurais, evidenciam “um deslocamento de seus referenciais de confiança frente às instituições como fontes de sentido duradouro”, se estabelecendo a “desconfiança e descrédito para os sistemas institucionais tradicionais” (Gomez 2008, 24).

A descrença na capacidade das instituições em combater a pobreza, a precariedade e as injustiças levam a questionamentos sobre o lugar do próprio Estado e suas responsabilidades no conflito armado. Na prática, esse descrédito decorre das violências reiteradas que os jovens colombianos têm experimentado, pois a história da violência armada contra eles é também a do silenciamento.[xxvii] A juventude rural, no entanto, reivindica terras como territórios de vida, educação, saúde e dignidade, ao mesmo tempo em que “têm sido testemunha de fatos atrozes, como o assassinato e tortura de seus pais, mães, familiares e vizinhos, incêndio e destruição de seus lares, animais e objetos pessoais” (Fraga e Gonzalez 2015, 31 e 36).

A violência proporciona formas diferenciadas de ser jovem no mundo rural colombiano, ora como protagonista social, ora como vítima do conflito. Para aqueles que estão diretamente em meio à guerra, nos contextos marginais ou como estudantes universitários em situações periféricas “a morte aparece como a marca em duelos inexoráveis”. Para outros, “a morte se constitui como critério de justiça” (jovens em contextos marginais e jovens rurais) ou, ainda, “como formas de controle e auto-justiçamento” (jovens em conflitos armados) (Gomez 2008, 24). Essa situação resulta que:

 

[...] noções de paz, liberdade e justiça constituem enteléquias, [...] destacam uma relação bipolar, um ethos cultural sagrado do bem e do mal, em que o outro é o bárbaro. ‘A existência daqueles grupos’ faz com que tenhamos que combater na guerra” (Gomez 2008, 8).

 

Na Colômbia, de forma geral, as relações político-culturais “seguem girando em torno de um centro mítico, imaginário, totalizante e messiânico, que se expressa na falta de uma concepção dessacralizada e totalmente laica/secular da política” (Uribe 2001, 174). Mesmo os jovens inseridos na universidade mesclam em suas narrativas um respeito quase religioso à diversidade, à vida e às subjetividades. Para esses, embora as lutas sociais sejam engendradas no campo e na cidade, a solução parece ser mais crível pela fé que pela confiança na atuação do Estado.

Isso não significa apenas um aspecto de religiosidade ou sacralidade, mas demonstra também como em contextos de marginalização, os jovens convivem entre a fé e a ação coletiva, ambas transformadoras de significados (da guerra em paz, do não lugar em terras e territórios, da morte em vida digna). Consequentemente, alguns setores, como a juventude rural, “não reconhecem a autoridade do Estado e sua função reguladora na sociedade, consequência das condições de marginalidade em que muitos deles vivem”. A violência se deve, portanto, à ausência do Estado como mediador da riqueza e fiador dos direitos humanos dos jovens (Grisales 2013, 128). Essa concepção, contudo, não relega as narrativas a uma visão pessimista da vida e do futuro, mas produz utopias e esperanças sobre a mudança, pois “alguns jovens rurais escolarizados, jovens marginalizados e em bairros populares narraram histórias com finais felizes, nos quais simbolizam a riqueza como meio de solução das iniquidades sociais [...]” (Gomez 2008, 8).

As narrativas e as ressignificações ocorrem pelas reivindicações, em que a população jovem manifesta que os acordos com o Estado e com as instituições de poder já não são mais suficientes, reconhecendo que um novo ciclo histórico deve ser vivido (Dotta 2016). Por outro lado, essas narrativas passam por representações dramáticas, cênicas e simbólicas. Em 2004, a “Red Juvenil” organizou a 1ª Jornada pela Paz, Memória e Não-Violência denunciando mortes, desaparições e deslocamentos de habitantes da Comuna 13, em razão da Operação Orión. Tais iniciativas demonstram que as lutas da juventude rural se coadunam com a reconstrução social e a busca por memória e verdade nos conflitos colombianos (Suarez et al. 2014, 392/394).

Seja através da fé e/ou da autodeterminação das pessoas e comunidades, os jovens rurais se organizam através de coletivos de base, em grupos locais, regionais e nacionais, em movimentos nos quais participam camponeses, estudantes, trabalhadores de bairro, de fábrica e secundaristas (Dotta 2016). Eles reivindicam co-determinação entre a vontade pessoal e as oportunidades sociais. O conflito evidencia lutas sociais por terra e direitos como condições mínimas de desenvolvimento das próprias capacidades ou, do contrário, “a justiça se relega à esperança mágica de uma salvação alcançada por sorte, por ajuda de um rico ou pelo destino divino” (Gomez 2008, 9 e 10).

Não obstante às diversas percepções e soluções para o conflito, a situação de instabilidade tem levado a resultados impactantes, a exemplo do “desplazamiento forzado”, que configura crimes contra a humanidade.[xxviii] No caso de jovens rurais, a situação é mais grave, pois, na condição de camponeses e indígenas, chegam às cidades e não encontram meios básicos de sobrevivência. Faltam políticas públicas estruturadas ou eficientes para atender a população, em especial a faixa mais jovem. Nas periferias onde vão morar, “seguem recebendo o fustigamento de forças armadas de diferentes tipos, que consideram que como fugiram, faziam parte de algum grupo armado; assim, os deslocados continuam marcados e segregados” (Fraga e Gonzalez 2015, 32), repetindo a lógica excludente mais geral[xxix] da América Latina.

Por outro lado, os filhos de deslocados, isto é, uma parcela de jovens, sofre igualmente a discriminação nos outros meios sociais, como escolas e hospitais. Não há políticas para garantir aos jovens camponeses o retorno às terras de suas famílias e, quando retornam a seus territórios, muitos são novamente vitimizados por quem se apoderou ilicitamente das áreas rurais (Fraga e Gonzalez 2015, 32). 

 

Os impactos diretos do deslocamento em crianças e adolescentes são o desenraizamento, degradação da qualidade de vida, amontoamento, fome, enclausuramento nos lugares onde se estabelecem de forma precária, porque a vida nas cidades os confronta com muitas humilhações, exclusões, discriminações raciais, étnicas, de classe etc. Enfrentam humilhações por sua origem étnica, cor da pele, costumes camponeses, modos de falar, tudo o que implica degradação em situações que são geralmente de extrema pobreza (Fraga e Gonzalez 2015, 32).

 

Assim, a violência contra a juventude rural tem um caráter difuso, pois não é um modelo de vitimização vertical, único e bem definido. Também não se trata de modelos horizontais ou de barbárie simétrica em que vítimas e vitimários estão situados em lados claramente identificados (Grisales 2013). Essa complexidade faz crer que, na Colômbia, “o passado não passa, a guerra não termina e, por isso, o apelo à memória é ambíguo e problemático, pois o contexto de guerra permanente leva a uma impossibilidade da memória, de esquecimento e da história” (Pécaut 2004, 91).

Contudo, a primeira década do século XXI trouxe mudanças qualitativas e quantitativas nas possibilidades de paz (Castro, 2019). A juventude rural vem se delineando como a população composta “pelos filhos dos conflitos no país” (Dotta 2016), pois:

 

Em todas as famílias colombianas ou há um militar, ou um policial, ou um guerrilheiro, ou há uma liderança popular. A juventude que nasceu nas décadas de 1990 e 2000 sofre as pressões e resultados de mais de 50 anos de conflito. Um dos efeitos é a violência econômica, pois faltam oportunidades de trabalho. É uma juventude que tem vinculação direta com a guerra, sobretudo as camadas mais baixas. Segundo as estatísticas do Estado, são as classes populares que têm sido o corpo da guerra durante esses últimos anos (Dotta 2016, sem página).

 

Não obstante as Farc não sejam o único grupo armado com poder de ação na Colômbia, o governo de Juan Manuel Santos iniciou, em 2012, diálogos de paz com a guerrilha, em Havana, Cuba. A agenda incluiu temas de política de desenvolvimento agrário, de participação política, a previsão do fim do conflito e uma solução ao problema das drogas ilícitas, além de direitos das vítimas à verdade e ao ressarcimento (Grisales 2013).

Após quatro anos de negociações, Juan Manuel Santos e as Farc assinaram um acordo de paz, em 26/09/2016. Ao ser anunciada a assinatura do acordo, centenas de jovens passaram a debater o que foi negociado em Havana, formando coletivos que organizaram shows, realizaram marchas, mas principalmente tentaram abrir espaços para o debate em universidades (Palomino 2016; Salek 2016).

 

Em 2 de outubro de 2016, os colombianos foram às urnas[xxx] decidir se aprovavam o acordo de paz com as Farc. Por uma diferença de 54 mil votos, o “não” se impôs ao “sim” (50,2% a 49,8%) e a proposta foi rejeitada. Nas primeiras horas após o resultado, o governo e os líderes das Farc afirmaram que manteriam o diálogo e buscariam uma solução conjunta (Salek 2016).

 

Em 12/11/2016, o governo da Colômbia e as FARC assinaram um novo acordo de paz, em Havana, ao qual incorporaram demandas da oposição, sem previsão de plebiscito. O acordo de paz, porém, sofreu uma nova reviravolta política, nas eleições presidenciais de 2018. Em 17/06/18, com um índice de abstenção de quase 47%, foi eleito presidente da República, Ivan Duque (2018-atual), com vantagem de 12 pontos sobre Gustavo Petro, candidato de esquerda, ex-prefeito de Bogotá e ex-guerrilheiro, apoiado por grande parte do arco progressista colombiano – e especialmente por mulheres e jovens, que foram a espinha dorsal do ativismo pela paz. Duque se elegeu com apoio do ex-presidente Álvaro Uribe, um dos principais opositores ao acordo de paz. A eleição de Ivan Duque (2018) mantém a tensão entre terra e violência, no cenário institucional e na memória colombiana (Castro 2019, 85).

A paz segue irresoluta em 2021. A juventude rural colombiana tem considerado o desafio de compreender e solucionar um conflito que possui dimensões nacionais e locais. Por outro lado, parece não perder de vista que os fenômenos subjacentes são parte de um contexto comum à América Latina, qual seja, o extermínio da juventude e a negação de seus direitos sobre terras, territórios e cidadania.

 

 

Notas a título de conclusão

 

A “guinada ao sul”, como estratégia geopolítica com os BRICS como exemplo mais representativo, não representa projeto alternativo à lógica destrutiva do neoliberalismo. Esse projeto serve como ilusão reformista nos blocos de poder da periferia do sistema à crise de hegemonia dos países centrais abatidos pelas contradições da globalização. Além disso, a formação dos BRICS aponta na geopolítica internacional das primeiras décadas do século XXI, um novo bloco de poder capaz de reorganizar a dinâmica de acumulação do capital nas condições da crise estrutural.

Também as diferentes crises: de alimentos, ambiental, financeira e energética irão impor à América Latina um aprofundamento das lutas e conflitos por terra e território na região. Além dos “velhos” sujeitos que se opõem ao aprofundamento da exploração, da desigualdade e injustiças, também os “novos”, os jovens, se apresentam no continente como sujeitos que reafirmam as lutas e dizem “basta”. Assim, reforçam as resistências, r-existência e o território (onde a questão da terra tem lugar central), que ganham importância não só pelo lugar que a ordem moderno-colonial nos destinou na divisão internacional do trabalho, como também pelo significado da natureza para a reprodução de qualquer sociedade (Porto-Gonçalves 2008).

Os sujeitos envolvidos nos conflitos da questão agrária na América Latina permitem dimensionar trajetórias de luta e a construção de resistências, capazes de enfrentar a lógica destrutiva do capital. Nesse sentido, a juventude rural é uma categoria social aglutinadora de ações políticas e identidade cultural, que vem reordenando a si mesma e protagonizando as novas dimensões e significados da luta por terra e território.

Nesse contexto, os jovens assumem um discurso, propondo projetos de vida diferentes da lógica capitalista marcadamente exógena. A juventude da América Latina traz luz ao debate das resistências de temas comuns e clássicos da questão agrária, contemplando as múltiplas dimensões dos conflitos por terra e território, das lógicas de produção capitalista e suas diferentes frentes de desenvolvimento e exclusão social. Mas, também, diz respeito a outros elementos, como a educação do campo e as lutas por educação, levando em consideração percursos formativos (escolares e não escolares), os direitos, as culturas e as identidades dos sujeitos do campo.

Assim, esses jovens encampam a luta das mulheres, o bem viver como princípio dos povos originários; a alimentação saudável (por meio de saberes e práticas da agroecologia, da agricultura orgânica, da economia solidária) em contraposição à perspectiva corporativa da alimentação e dos recursos naturais.

Por fim, o caso colombiano é emblemático (ou paradigmático), à medida que nele a violência representa a negação da política, isto é, a expressão concreta e real da ausência de diálogo e ação, componentes definidores da política. Em meio a críticas e conflitualidades, a juventude rural é protagonista de lutas sociais e vítima da violência institucionalizada. As mobilizações sociais mostram, sobretudo, os transbordamentos da questão agrária frente aos conflitos gerados pela expansão do capital no campo.

 

 

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Notas



[i] A fundamentação desse texto parte das reflexões acadêmico /metodológicas no âmbito do grupo de pesquisa “Iniciativa BRICS de Estudos Críticos sobre Transformações Agrárias” (BICAS). Trata-se de uma rede de pesquisadores e pesquisadoras de universidades, em grande parte baseadas em países dos BRICS. Tem como propósito estudar e problematizar transformações agrárias internas, regionais e globais, inclusive os conflitos agrários da América Latina, dentre os quais se inserem temas da juventude rural.

[ii] Agamben (2009) define “casos paradigmáticos” como recurso metodológico. Segundo o autor, alguns casos empíricos exercem papel de paradigma na compreensão de um contexto mais amplo. Assim, estudar casos extremos, como da violência na Colômbia, é representativo quanto a determinados fenômenos sociais, frente à sua importância e representatividade. Casos paradigmáticos podem assim, oferecer elementos de inteligibilidade de um contexto mais ampliado, por intermédio de analogias, iluminações e ressonâncias.

[iii] De acordo com Graziano da Silva (2011), “a disparada dos preços dos cereais em 2008 elevou a produção dos países ricos em quase 13%; nas economias pobres e em desenvolvimento, o efeito limitou-se a 3,5%. Excluídos Brasil, China e Índia, o aumento foi de menos de 0,5%”.

[iv] Segundo Bresser-Pereira (2010, 56), esta crise emergiu devido a uma combinação entre as políticas neoliberais e “[...] a financeirização, ou capitalismo encabeçado pelo setor financeiro”. O aumento do crédito sob a forma de títulos, combinada com a especulação, resultou em uma ampliação artificial da “[...] riqueza financeira ou o capital fictício, que se expandiu a uma taxa muito mais elevada do que a da produção, ou riqueza real”

[v] A partir de 2014, o preço do petróleo caiu vertiginosamente, ficando em torno de US$ 30 dólares o barril em 2016. Essa queda deu-se, entre outros fatores, por um aumento da produção da Arábia Saudita, afetando países como a Rússia, Venezuela e Irã (parte da política energética adotada pelos Estados Unidos).

[vi] Depois dos embates relacionados ao Código Florestal (Sauer e França 2012), a preocupação e os conflitos estão relacionados a uma série de propostas legislativas para mudanças no Código de Mineração, as quais estão apensadas ao PL 1.610, de 1996, que “dispõe sobre a exploração e o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas, de que tratam os Arts. 176, §1º, e 231, §3º, da Constituição Federal”. Há ainda ameaças a assentamentos, pois a existência de minérios no subsolo está ameaçando a expulsão de famílias assentadas (Sauer e Albuquerque 2015) para a exploração mineral.

[vii] A ênfase na corrida mundial por terras se constituiu também em um mecanismo de aumento dos preços das terras (Oliveira 2012) e oportunidades de negócios – ou bloqueio dessas oportunidades, como afirmaram Hage, Peixoto e Vieira Filho (2012) –, sendo que o mesmo se deu com a crise alimentar, pois resultou em investimentos e aumento da produção (Silva 2011).

[viii] Acordos como a retomada do Mercosul (Mercado Comum do Sul), a criação da ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América) e da UNASUL (União de Nações Sul-Americanas) são importantes iniciativas (ou foram, pois estão em pleno desmonte) nas relações sul-sul recentes.

[ix] Após o auge observado durante o ano de 2006, no governo Lula (PT), o número de famílias assentadas passou por um declínio desde o governo Dilma Rousseff (PT). Essa queda se acentuou a partir do governo Temer e, diante da completa paralisia da reforma agrária durante o governo Bolsonaro, a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) e a Contraf (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar) decidiram propor no STF (Supremo Tribunal Federal) uma ADPF (ação de descumprimento de preceito fundamental). A ADPF 769 solicita que sejam reconhecidas e sanadas “graves lesões” a preceitos da Constituição Federal por órgãos federais, em razão da “paralisação da reforma agrária”. Assinam, além da Contag e da Contraf, partidos de oposição: PT, PSOL, PC do B, PSB e Rede Sustentabilidade.

[x] Relatos retratam os bancos [China Development Bank e China’s Export-Import Bank] como parceiros (Sul-Sul) do desenvolvimento e enfatizam que as instituições formais chinesas não interferem nos assuntos internos dos países tomadores nem estabelecem condições da política macroeconômica para os seus créditos, como fizeram as instituições baseadas em Washington (Hogenboom 2014, 633).

[xi] Além do aumento da demanda de commodities, os acordos de cooperação, inclusive os objetivos do Banco de Desenvolvimento dos BRICS, estão colocados em investimentos de infraestrutura (Mckay et al. 2016). Esses investimentos também impactam diretamente sobre usos da terra, pois criam condições para maior exploração (inclusive conectando regiões mais distantes aos mercados consumidores dos recursos naturais), provocando a valorização (aumento dos preços) das terras, mas também gerando deslocamento (desterritorialização) e conflitos com populações locais.

[xii] Puyana e Constantino (2015, 111) afirmam que este processo começou no início dos anos 2000 como “[...] parte do programa governamental “going global” [tornando-se global], lançado em 1999 e destinado a abrir novas oportunidades de investimentos para a expansão do capital chinês no resto do mundo”, mas afirmam “os investimentos chineses em terras na América Latina começaram a se generalizar a partir de 2008” (113), especialmente na Argentina e Colômbia.

[xiii] Segundo Oliveira (2017, 11), “embora a COFCO controle cerca de 145 mil hectares no Brasil, associado às quatro usinas de açúcar que adquiriu através da Noble, é muito claro que pretende se concentrar no comércio de commodities e não na produção agrícola”.

[xiv] As aquisições da COFCO (maior processador e comerciante de alimentos da China), “juntamente com a aquisição da Syngenta pela ChemChina, irá representar a maior e mais significativa presença de capital chinês, não só no complexo brasileiro de soja, mas no agronegócio” (Oliveira 2017, 11)

[xv] Publicado em novembro de 2015, relatório de entidades não governamentais (REDE, GRAIN et al. 2015) apontou investimentos de fundos de pensão europeus e norte-americanos, via um fundo global de terras agrícolas denominado TIAA-CREF Global Agriculture (TCGA) em terras no Matopiba. Segundo Oliveira (2017, 8), junto com a TIAA-CREF, empresas do agronegócio como, por exemplo, Cresud/Brasilagro, Adecoagro, SLC Agrícola, El Tejar, Multigrain/Xingu Agro e a V-Agro adquiriram mais de 750 mil hectares no Brasil, aplicando especialmente capital europeu, norte-americano e japonês (informações que também constam do relatório da GRAIN 2016).

[xvi] Quase a metade da representação internacional da Via Campesina é composta por organizações da América Latina (Montenegro Gómez 2010), sendo que as mesmas estão articuladas na Coordenação Latino Americana de Organizações do Campo (CLOC).

[xvii] O 14° Acampamento Latino Americano da Juventude, realizado na cidade de Palmeira das Missões (RS), entre os 20 a 23 de novembro de 2014, foi uma construção da Via Campesina e da Coordenadora Latino-americana das Organizações do Campo (CLOC), evento sempre ocorria na Argentina e pela primeira vez aconteceu no Brasil.

[xviii] O 5º Acampamento de Jovens de Conamuri, Repatriación, Caaguazú, Paraguai, 16 a 18 de fevereiro de 2016, foi formado por jovens camponeses, indígenas e urbanos de diferentes departamentos do Paraguai, também vinculado à CLOC-Via Campesina.

[xix] O Encontro Geral da Juventude Tupinambá, realizado na Terra Indígena Tupinambá de Olivença (sul da Bahia), entre os dias 8 a 11 de dezembro de 2016, estava vinculado à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e também integrante da Via Campesina.

[xx] A TI Tupinambá de Olivença é formada por 11 comunidades (Serra do Padeiro, Serra das Trempes, Mamão, Acuipe do Meio, Acuipe de Baixo, Lagoa do Mabaço, Olivença, Aldeia Itapoã, Parque de Olivença, Aldeia Tucum, Aldeia Tamandaré), as quais contaram com representações de jovens no Encontro da Juventude Tupinambá.

[xxi] O Boletim Técnico de Pobreza Multidimensional Departamental (DANE 2020, 3) informa que los departamentos que presentaron mayores porcentajes de personas en situación de pobreza multidimensional para el total departamental son: Vichada con 72,2%, Guainía con 67% y Vaupés con 66,5% y los departamentos que presentaron menor incidencia de pobreza multidimensional fueron Casanare con 18,3% seguido de Arauca con 23,3%. En la región Orinoquía-Amazonía, el departamento que presentó mayor variación fue Vichada con un incremento de 8,7 puntos porcentuales entre 2018 y 2019 pasando de 63,5% a 72,2% respectivamente. Los cambios entre 2018 y 2019 fueron estadísticamente significativos en total departamental y centros poblados y rural disperso para Vichada, en cabecera para Amazonas y Putumayo, y en centros poblados y rural disperso para Guainía”.

[xxii] O termo CAI (conflito armado interno) denomina uma situação que não é, propriamente, uma guerra civil, não é também uma série de ações terroristas, nem se limita a um aumento abrupto de atos de violência isolados (ONU 2013, 41).

[xxiii] Os núcleos da guerrilha comunista se transformaram em grupos de massas. Em suas áreas de influência foram repartidas terras, criaram-se mecanismos de trabalho coletivo e de ajuda para a exploração individual de parcelas. Era aplicada a justiça por decisão coletiva na assembleia popular (Ceará 2009, 205).

[xxiv] É o caso das “Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia” (FARC) e o “Ejército de Liberación Nacional” (ELN). Existiram também o “Ejército Popular de Liberación” (EPL) e o “Movimiento 19 de Abril” (M-19), desmobilizados no período de 1989 a 1990. Além desses, o “Partido Revolucionario de los Trabajadores” (PRT) e o “Movimiento Indígena Quintín Lame” (Quintín Lame), ativos nos anos 1980, foram gradativamente interrompidos a partir de 1991.

[xxv] Os principais focos de violência e expulsão da população indígena coincidem com as regiões mais ricas em biodiversidade, onde se encontram 95% dos recursos naturais colombianos. O aparato militar do Plano Colômbia facilitou a implementação de projetos hidroelétricos, petrolíferos e de mineração, patrocinados pelo Banco Mundial e por empresas multinacionais. Mais de um milhão de hectares da floresta colombiana foram contaminados por agentes químicos, sob o pretexto de combater o cultivo de coca, com um desastre ecológico conhecido como “Tormenta Verde” (Cavarallo e Mendonça 2002).

[xxvi] Fraga e Gonzalez (2015, 31) tratam essa situação como uma forma sistemática de administrar a morte na sociedade contemporânea. Os mecanismos de poder decidem quem merece viver ou morrer, entre os que devem morrer se encontram mulheres e jovens, fenômeno chamado de “necropolítica”.

[xxvii] Por exemplo, nos documentos do Centro Nacional de Memória Histórica ou nos 12 Ensaios da Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas, que estão na mesa de negociação de Havana, o tema dos jovens não aparece, pois esses “não têm sido representados na mesa de Havana” (Fraga e Gonzalez 2015, 31).

[xxviii] Como fenômeno massivo, sistemático e de longa duração, o “desplazamiento forzado” se relaciona com a juventude rural por ser em grande medida relacionado ao controle de terras e territórios estratégicos. Alguns estudos apontam que o número de colombianos expulsos de suas terras pode chegar a perto de cinco milhões, sendo aproximadamente 70% de vítimas menores de idade. Mais que a confrontação entre atores armados, existem interesses econômicos e políticos que pressionam o desalojamento da população civil e seus jovens. É o caso das pressões exercidas pelo narcotráfico, pelos conglomerados empresariais e outros agentes (Suarez et al. 2014, 71).

[xxix] A violência sofrida pelos jovens possui fortes vínculos com a vulnerabilidade social em que se encontra a juventude nos países latino-americanos, dificultando, por conseguinte, o seu acesso às estruturas de oportunidades disponíveis nos campos da saúde, educação, trabalho, lazer e cultura. O contingente de jovens em situação de vulnerabilidade, aliada às turbulentas condições socioeconômicas de muitos países latino-americanos ocasiona uma grande tensão entre os jovens, que agrava diretamente os processos de integração social e fomenta o aumento da violência e da criminalidade (UNESCO 2002, 9).

[xxx] O plebiscito foi aprovado pela Suprema Corte colombiana, em julho de 2016, mas os magistrados deixaram claro que a aprovação do acordo dependeria apenas da sanção presidencial, ou seja, submetê-lo ao crivo popular foi uma opção mais política do que jurídica (Palomino 2016; Salek 2016).